sábado, 26 de dezembro de 2009

É doce dizer não

Fui educado a baixar a cabeça e dizer "sim senhor".
E assim passei pela infância, adolescência e razão,
assistindo, distante, andares apressados,
surpreso com tantos olhares assustados,
mil questões não respondidas.
Para onde foram todos eles?
Será que chegaram?
Fui educado a baixar a cabeça e dizer "sim senhor".
Sorrir quando a vontade era chorar,
chorar para não gargalhar.
Pedir a benção da tia, limpar os pés ao entrar,
obrigado e dá licença nem precisava lembrar.
Para onde foram todos?
Fui educado a baixar a cabeça e dizer "sim senhor".
Todos estavam certos, menos eu,
a todos precisava agradar, menos a mim.
Tinha que ser assim?
Fui convencido de que eu não era importante, não era nada.
Para onde foram?
Fui educado a baixar a cabeça e dizer "sim senhor".
E assim haveria de ser para ser alguém,
alguém sem ninguém, sem vintém, que não vai além.
Simplesmente mais um.
Fui educado a baixar a cabeça.
Enfim, era o correto na visão dos antigos!
Ah, se não fossem os amigos...
E só agora que chego ao fim da razão
acabo descobrindo o quão doce é dizer não.

(Piaia)

O sábio e o louco

O louco só ria
Sorria
Maroto

O sábio, com cara de sério
Importante
Olhava de esgueiro e tentava se impor
Impotente

O louco, só, ria
Sorria
Maroto

O sábio sabia que o sabiá sabia assoviar
Mas não sabia que o louco não tinha loucura
Tinha fartura
Feliz que ele era

O louco maroto
Só ria
Sorria

Só,
Ria o louco
Trabalho integrante da antologia “Escritos nas Estrelas” (1993), da Litteris Editora/RJ
.
(Deni Píàia)

No carro

A estrada passa, a ponte passa, a árvore passa.
Tudo corre contra, tudo passa.
O carro faz pouco barulho,
mais o vento na janela.
Vem pedágio e passa,
outra ponte passa,
passarela passa.
Tudo, quase tudo passa.
Porque não passa essa dor?
Queria entrar no carro e também passar.
Pela dor, pelas mágoas, fracassos e paixões.
Simplesmente passar para não chegar a lugar algum.
Passar em branco. Psssssss...

(Piaia)

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Vazio

Já me encontrei
nas portas fechadas
e o teu sonho transformou
fechou-me a luz.
Os tempos mudaram
o que eu quero sou eu.

Você lutou,
achou seu caminho
perdeu a paz
Ah, vai ser assim.
Os tempos mudaram
o que eu quero sou eu.
Estou vazio.

(Piaia)

Queda livre

Em gotas de cinza eu fiz meu altar
Nas bases do vento que vinha do sul
Soprei o segredo
E o céu me expõe nas margens do inferno
Cair é um fato, levantar uma arte
A vida me fez um leigo no ser
(e você apenas ri)
Quem está certo: você
Ou a dama que trapaceia com o valete?
O crime do rei foi abolido
E todo o reinado vibrou
Os súditos negaram
O que posso fazer?
(você apenas ri)
As paredes do meu quarto me sufocam
A porta está fechada, assim como sua mente
E tudo não passa de uma simples revolução
Dentro de quatro paredes
A voz do nada falou mais alta
E o trote da dor amainou com o vento
A tempestade caiu soberba
A chuva molhou minha alma
E tudo mofou com o tempo
O sangue correu, a paz se fechou
E eu me perdi por labirintos de aparelhos
Ergui a cabeça e avistei o sol
Era tarde

Trabalho integrante da antologia “Literatura de Vanguarda” (1993) da Litteris Editora/RJ.

(Piaia)

Criança insistente

Criança insistente!
Insegura, joga pedra
Desconhece toda regra
Inconsequente.
Criança insistente!
Teimosia em pessoa
Bate o pé por coisa à toa
Desobediente.
Criança insistente!
Inquieta, serelepe
Pensamentos de moleque
Sempre ausente.
Criança insistente!
Faz sorrir enquanto chora
Num olhar que se demora
Incoerente.

Você conhece essa criança que me habita
Que estrelas ainda conta
Que para tudo está pronta
Mas que, cheia de temores, grita.

Você conhece essa criança tão carente
Que os pássaros alimenta
Que mil sonhos acalenta
Mas que, mesmo a contragosto, mente.

Você conhece essa criança que, só, corre
Que se passa por adulto
Que engole o insulto
Que por força da razão aos poucos morre.

Trabalho integrante da antologia “Poesias 1994” da Litteris Editora/RJ.

(Piaia)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Sem graça

Sem você não tem graça.
É como quintal sem criança,
jardim sem sussurros,
futuro sem esperança,
canção que não rima.
É como janela que dá pra parede,
mar sem barquinho de vela branca,
horizonte sem montanha,
vento que não levanta saia,
estradinha pra lugar nenhum.
É guardar a alegria sem ter com quem dividi-la.

(Piaia)

Primavera

Muito mais do que flores
A primavera faz brotar os sonhos
Em quem soube semear canções
Nos ventos gelados do inverno

Muito mais do que cores
A primavera faz brotar o perdão
Em quem soube plantar compreensão
Nos caminhos que levam ao inferno.

Mais, muito mais do que amores
A primavera faz brotar a alegria
Em quem sabe viver cada dia
Mantendo o seu coração terno

(Piaia)

Você pode!

Você pode correr, mas nunca vai chegar.
Pode olhar, mas nunca vai ver.
Você pode falar, mas não será ouvido.
Você pode tudo.

Você pode gritar, mas ninguém vai se incomodar.
Pode ordenar, mas ninguém vai obedecer.
Você pode se impor, mas nada vai mudar.
Você pode tudo, mas isso não quer dizer nada.

Você pode amar, mas não será amado.
Pode chorar, mas não terá consolo.
Pode se gabar do tudo que comprou
Você nunca vai passar de um grande tolo.

(Piaia)

No consultório

Cheguei cedo
Reli uma Veja de um ano atrás
Ela me persegue por todos os consultórios
O tic-tac faz companhia
Agradável e sonolento
Ao longe uma campainha soa
Telefone toca suave
Nada parece se mover numa letargia que nos abate
A mim e à recepcionista
Estado transitório entre a razão e o sono
Queria que durasse o dia todo essa calma
Hmmmm...

(Piaia)

Sem pressa

Imerso num mar de pequenas luzes vermelhas.
Aparente calma, ansiedade à flor da pele.
Todos pensando o mesmo ao mesmo tempo.
Não tenho pressa de chegar, pois ninguém me espera.
De repente uma única luz verde.
E as pequenas luzes vermelhas se movimentam.
Juntas, compassadas, afastando-se lentamente umas das outras.
E então percebo que não formam um ser único.
Vou na correnteza.
Sem pressa de chegar.

(Piaia)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Engano

Março, 23.
Sol apático de outono.
O vento ensinou-me uma canção.
A tarde me lembrou que era tarde.
Noite clara trouxe saudades.
E a lua me fez lembrar sua cara.
Alguém me chamou pelo nome.
Que saco voltar ao mundo...
Alguém me chamou por engano.
Ta... Ta desculpado

(Piaia)

Fim de jogo

Rafael está viajando.
Defronte ao computador, o mundo obedece aos gordos dedos.
Não me agüento de rir.
Ele faz cara de sério.
Dá a impressão que está trabalhando.
Tudo mentira.
Ouso trazê-lo de volta e a resposta vem vibrante:
“Check mate!”
Comeu a rainha.
No bom sentido, claro.

(Piaia)

Penso que...

..se Grahan Bell soubesse que um dia inventariam o "sexo por telefone" e outros "serviços" tão ridículos quanto, não teria inventado esse aparelho -o telefone- em 1.876.
...o inglês Edward Butter provavelmente não teve filhos. Se os tivesse, com certeza não teria inventado a motocicleta em 1885.
...se o italiano Guglielmo Marconi ouvisse uma programação radiofônica como se faz hoje, não teria inventado o rádio em 1895.
...o americano Hamilton E. Smith levou mesmo a sério aquela história de que "roupa suja se lava em casa". Tanto que inventou a máquina de lavar roupas em 1858.
...o alemão Karl D. Von Sauerbronn era um cara muito equilibrado. Caso contrário não teria inventado a bicicleta em 1816.

(Piaia)

Parabéns!

O relógio só marca as horas.
O tempo, quem faz é você.
As pessoas ficaram tão dependentes do relógio que poucas perderão 5 segundos para ler esta frase.
Parabéns! Você conseguiu!

Estranho mundo

O que peço não é muito.
Queria apenas chegar em casa tropeçando em sorrisos
Pisar desatento nos sentimentos menores
Nem perceber a geladeira vazia
Mas sentir a casa cheia de nossa pequena família
Sentir em todos um perfume de alegria.
Dispenso pompas na recepção
Basta o cachorro a me lamber a mão.
O que peço é tão pouco...
Só um olhar de quem me compreende
Até palavras são desnecessárias
Um "oi" apenas é suficiente
Só queria ver que alguém está contente
Porque cheguei junto com o fim do dia.
Peço quase nada
Não faço conta do jantar humilde
Até prefiro o silêncio sincero
Andar descalço do quarto à cozinha
Sentir-me em casa é tudo o que quero.
Num banho quente lavaria as mágoas
Porque, afinal, estou em nossa casa
E dentro dela está minha família.
Chinelo velho, roupa bem folgada
Porque de aperto quero ficar longe
Queria apenas suspirar bem fundo
Com a certeza de que nossa casa
É, dentre todos, nosso melhor mundo.
Estranho mundo onde sou estranho.

(Piaia)

Ela, a vida

Na folha morta do livro não lido
Sem sentido
Na folha viva da relva pisada
Calada
Lá está a mensagem em ambas contida
A vida

Na palavra mansa do velho senil
Por um fio
Na resposta áspera do jovem viril
A mil
Eis a grande oportunidade perdida
A vida

No olhar inocente de tenra criança
Esperança
Na chegada sentida a longos passos
Mil abraços
Hei-la a cada instante renascida
A vida

Na cor do vestido em tom berrante
Insinuante
No teor do convite ao pé do ouvido
Atrevido
Ela, amante de ingênua travestida
A vida

No escrito não dito letra por letra
Na gaveta
No projeto ocioso que ficou guardado
Empoeirado
Caminho finito, desculpa da sorte
A morte

Classificado entre os 50 melhores no 6o Concurso Poético do Cancioneiro, para todos os países de língua portuguesa, pela Universidade Instituto Piaget, em Almada, Portugal, integrando a antologia “Amo de Ti” – 2010.

(Piaia)

Novo amor de novo

Eu não quero um novo amor
eu quero seu amor de novo
poderia até rimar com dor
mas eu me sentiria um grande tolo

Para ter o seu amor de novo
Até daria tudo o que gosto
Tudo em troca desse novo amor
De novo

Leite condensado, abraço apertado
Melancia geladinha, churrasco com caipirinha
Férias numa praia, noite na gandaia
Cerveja bem gelada, brincar na enxurrada
Um bom filé com fritas, o papo com biritas
Beatles na vitrola, um bom jogo de bola
O velho rock and roll, marcar aquele gol
Pão com mortadela, jantar à luz de vela
Sombra no verão, um toco no patrão
Rever velhos amigos, reler livros antigos
Ver o sol nascer, brincar de me esconder
Banquinho e violão, um bom samba-canção
Sorvete na casquinha, brisa bem fresquinha
Disco de vinil, tudo mais que nunca se viu

(Piaia)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Tempo

Tempo que corre e não pára
É um santo remédio e o pior inimigo
Tempo que meus males sara
Cicatriza feridas, faça isso comigo.

Tempo que cura as mágoas
Os mal-entendidos, as decepções
Tempo que rola nas águas
Nos ventos também leva desilusões.

Tempo, que santo remédio
Está sempre passando, com pressa, voando
Leve contigo o meu tédio
Da falta de alguém que fiquei esperando.

Mas tempo, pra quê tanta pressa?
A vida também vai me levando embora
Um dia, quando eu sair dessa
Você já passou e chegou minha hora.

Tempo que vai, nunca fica
É um santo remédio, o pior inimigo
Não sei o que faço, me diga
Se fico e espero ou se vou contigo.

Chuva

Num instante o sol se fecha
Some o sol do meu olhar
Vem o vento, vem a pressa
Todos querem proteção, não se molhar.

Lá das nuvens vem a água
Saciar, da terra, a sede
Traz com ela tanta mágoa
Dessa gente apressada, comprimida na parede.

Chuva
Que mágico poder de aproximar
Pessoas diferentes, contentes, descontentes
Sob uma mesma marquise.
Chuva
Que mágico poder de igualar
Pretos, brancos, ricos, pobres, agora tão iguais
Porque todos, tão molhados, só têm pressa de chegar.

Chuva que traz o transtorno
Também traz a alegria
Pois quem planta quer retorno
Da semente germinar a qualquer dia.

E sob aquela marquise
Sem sentir, sem se notarem
Dois olhares, num deslize
Acabaram se cruzando para um dia se juntarem.

(Piaia)

Meus ideais

  • Menção Honrosa no Concurso Nacional “Natureza em Prosa & Verso” – Varginha MG, 2009.
  • 8o lugar no XVI Festival Sertanejo de Poesia – Prêmio Augusto dos Anjos – Aparecida/PB, 2010

Faz tanto tempo que até perdi a conta
E hoje canto esse lamento
Cada vez que o sol desponta.
Quando parti lá do campo onde vivia
Logo cedo já senti
A besteira que fazia.

Nesta cidade onde o vento não diz nada
Só me traz muita saudade
Do vento que lá cantava.
Na contra-mão hoje ando pelo asfalto
Relembrando o estradão
E a poeira lá no alto.

Do ribeirão que o murmúrio me embalava
Só ficou sua canção
Na lembrança desbotada.
E a melodia que cantava a passarada
Logo no romper do dia
Deu lugar à buzinada.

Eu me arrependo de deixar tantos amigos
De trocar aquela vida
Sentimentos tão reais.
Hoje procuro com os meus passos perdidos
Coisas que já nem me lembro
Eram os meus ideais.


(Deni Píàia)

Palavras contidas

PASSA
PASSARINHO
PASSA
PASSARI
PASSARINHO
PASSARI
PASSARINHO
PASSARINHO



AMA
A
AMANHÃ
AMANHECE

AMANTE
A
AMANHÃ
AMANHÃ
AMADURECE

AMANTE
AMA
AMANTE
A
AMANHÃ
AMANHECE

(Piaia)

Voltei

Abraço
Que passo tão longo
Desfaço na mala o nó da garganta
Lavo do rosto o resto de orgulho
Levo de resto seu rosto
E me orgulho


(Piaia)

Pensei

Já pensei e decidi
Que vou lhe afogar no aquário
Decapitar sua alma
Descolorir sua aura
Vou lhe rogar uma praga
Tirar a marca do livro
Roubar dos seus olhos o brilho

Já pensei e decidi
Que vou lhe marcar um gol contra
Trocar seu verão por inverno
Fazer do seu dia um inferno
Vou impedir suas férias
Murchar os quatro pneus
Tomar de volta o que é meu

Eu te quero e te odeio
Tanto que nem sei
Eu te quero e te odeio
Muito mais do que pensei

Classificado entre os 10 primeiros no VIII Concurso Municipal de Poesias “Tereza Maria Valques Carvalho de Faria”, de Poços de Caldas-MG, com 153 trabalhos concorrentes – 2009.

(Piaia)

Psssss...

Falo através do silêncio
Porque não aprendi a inventar palavras
Porque o silêncio é absoluto, é senhor.

Falo através do silêncio
Porque a verdade se veste de paz
Porque a palavra pode ser labirinto
Para expressar a amplidão do que sinto.

Falo através do silêncio
Na esperança de que você me entenda
Porque jamais consegui lhe dizer tudo.

Eu falo através do silêncio
Para não perder a oportunidade de lhe ouvir
Porque você me ensinou a entender a ausência das palavras

(Piaia)

Universo inverso

De bicão entrei nesse universo
Meio besta, sem saber o que fazer
Conheci o Mané, o João e o Nérso
Desde então minha vida foi beber

De bicão entrei numa de unir versos
Poesias que eu fazia pra você
Coisas bregas que falavam no inverso
Nem eu mesmo conseguia entender.

Universos

Uni versos em poesias que se perderam
Gritei palavras que se infiltraram nas paredes
Busquei estrelas que se apagaram ao toca-las
Cantei canções que se abafaram nos lamentos

Uni versos em poesias que você não leu
Gritei palavras que você nem mesmo entendeu
Busquei estrelas que, no fim, você não quis
Cantei canções só pra você, que eu mesmo fiz

Você é muito burra, ta louco!...

(Piaia)

Terno de casamento

Eterno terno
Eternizou terno momento
Não envelhece
Não se envaidece, não esquece
Terno momento

Sem mais nem menos

Sem mais nem menos
Foi chegando como quem fosse ninguém
Não fez alarde
Trouxe apenas a preguiça de uma tarde
Olhar viril
De quem, por tudo, já fez tudo e tudo viu

Sem mais nem menos
Fez morada em meu caminho, em meu carinho
Pouco falou
Um só olhar me ascendeu, me iluminou
Beijo de céu
Calor do sol, frescor do mar, corpo de mel

Sem mais nem menos
Foi chegando, fez morada sem alarde
Sem mais nem menos
Pensei fugir, mas a preguiça dessa tarde...

(Piaia - 11/3/93)

Domingo de bossa

Eu quando me lembro
Eu entro na fossa
Aquele domingo,
Um domingo de bossa

Pic-nic na praia
Sua mãe ao meu lado
Comendo farofa
Franguinho assado

Cerveja tão quente
Salsicha empanada
Todos tão contentes
E você menstruada

Chinelo de dedo esfolando meu pé
Na areia tão quente, vovó de boné
Radinho de pilha, bola de capotão
Domingo de bossa, lá em Cubatão

Varizes ao vento
Celulites também
Titia garbosa
Amamentando o neném

Estias em desfile
Festival de bom gosto
Você espremendo
Espinhas no rosto

Um ovo cozido, porções de batatinha
Caipirinha da boa, torta de sardinha
Com meu calção novo abafei pra xuxú
Brotinhos passavam, me chamavam “biju”

Castelinhos na areia
Que alegria era a nossa
Na fossa eu me lembro
Daquele domingo
Um domingo de bossa

Filha deputada

Nasceu pobre na favela
Mas mamãe cuidava dela
E à noite “trabalhava”
O papai tão esforçado
E à noite era um tarado
Até ela estuprava

E assim ela cresceu
Tantas coisas aprendeu
Virou moça safadinha
Com o poder ela sonhou
Foi à luta, se enfeitou
E caiu na tal vidinha

Resolveu um dia ser
Deputada e enriquecer
E lançou candidatura
Foi pra cama, ganhou grana
Com a grana ela comprou
Tantos votos que sobrou

E hoje ela é
Uma filha deputada
Batalhou e foi eleita
Ganha bem, com todos deita
É uma filha deputada

Todos querem só saber
O que fez ela pra vencer
E se tornar tão respeitada
Mas a imprensa, todavia
Nem de longe desconfia
Que é uma filha deputada


(Piaia)

O dono da verdade

Não tinha onde cair morto
Até que uma mão se estendeu
Em meio à tormenta, um porto
De braços abertos o acolheu
Subiu qual foguete da Nasa
Passou a ver tudo de cima
Mas não aprendeu quase nada
Poeta sem causa e sem rima

Comprou a verdade do mundo
Tornou-se dono da razão
Esqueceu que veio do fundo
E que não tem gaveta o caixão
Sonhava um dia ser nome
De praça, de rua e avenida
Mas soube pelo telefone
Que não tinha preço pra vida

Doutores do mundo chegaram
Tentando salva-lo em vão
E tantos por ele choraram
Antes da comemoração
Levou sua fala tão séria
Deixou tudo o que lhe valeu
A mão que o tirou da miséria
Acenou-lhe o último Adeus

O dono do mundo partiu
Deixou sua verdade e a razão
Ninguém nunca soube e nem viu
Aquele que lhe deu a mão
Seu sonho foi realizado
Virou uma estátua na praça
Poleiro de pombos, gelado
Estorvo a quem por lá passa

(Piaia)

As ovelhinhas e os Mutantes

Era ainda um molecão
Que sonhava feito bôbo
Planos mil, nenhuma ação
Me sentindo quase um lobo
Que sarro... que sarro
As ovelhinhas já não são como antes
Comportadinhas, esperando
Eu delirando com o som dos Mutantes

Elas lá e eu aqui
Ligadão, metido em frias
Só curtindo Rita Lee
O Arnaldo e o Sérgio Dias
Que sarro... que sarro
As ovelhinhas já não são como antes
Comportadinhas, esperando
Eu delirando com o som dos Mutantes

Ovelhinhas engordaram
O tempo não teve nem dó
Foi passando, elas ficaram
Hoje todas são vovós
Que sarro... que sarro
As ovelhinhas já não são como antes
Envelheceram, não viveram
Se danaram, não curtiram Mutantes

(Piaia - 28/8/92)

Nossos deuses

Onde estão os nossos deuses?
Já morreram, se perderam ou venderam suas cabeças?
Onde estão os nossos deuses?
Estão carecas, são caretas, ou viraram-se às avessas?

The dream is over, it`s now or never
The evil way is a starway to heaven
I can get no, satisfaction
You say you wanna a revolution

Onde estão os nossos deuses?
Já morreram, se perderam ou venderam suas cabeças?
Onde estão os nossos deuses?
Estão carecas, são caretas, ou viraram-se às avessas?

Sentado à beira do caminho, sem lenço, sem documento
Quero que vá tudo pro inferno, que esperar não é saber
Chove chuva, chove sem parar; é preciso estar atento
Dizem que sou louco, mas amanhã há de ser.

Onde estão os nossos deuses?
Já morreram, se perderam ou venderam suas cabeças?
Onde estão os nossos deuses?
Estão carecas, são caretas, ou viraram-se às avessas?

(Piaia)

Caos

Do reencontro, a indiferença

A palavra inútil não ecoa nas barreiras que ficam
Lúcido, translúcido, são
É por pouco tempo e tudo se transforma
Caos
Sem cair, contudo
A esperança fria
Eu?
Não há tempo a perder
É impossível não deixar algo para traz
Por isso sou, estou, preciso
E você, não entendendo nada
Acha tudo engraçado
E ri


(Piaia)

Encontro

Nas margens da manhã
Calei minha dor
E o hoje se abriu
Como você
Tão cheio de cores, certeza de nada
Cheguei a temer
Nas faces do vento depositei a certeza, esperança
Entreguei-me à luz
Refiz meu ser
Renasci, nascemos
Num só


(Piaia)

Quatro paredes

Eu me assumo
Em largas avenidas
Eu me resumo
Num gesto limitado
Eu me consumo
Deitado na rede
Dentro de quatro paredes

Eu me apego
Num quarto de ilusões
Penso e não quero
Suas contradições
Somente eu
Deitado na rede
Dentro de quatro paredes

Eu sei voar
No céu da tua boca
Vou decolar
Num grito de voz rouca
Vou me acabar
Deitado na rede
Dentro de quatro paredes

Hai Kais

Sol de laranja
Folhas de maple no chão
Árvore nua

Vento cantante
Melodia em lá menor
Um jazz encantou

Cores sorrindo
Mil abelhas zunindo
Nasce a rainha

Chuva atrapalha
Pintassilgos amantes
Flaf-flaf-flaf-flaf-flaf...

Alguém avisou
Formigas em procissão
Um doce no chão

Triste inverno
Aos olhos de quem ficou
Quem foi não volta

Ventinho frio
Janela bate solta
Espera em vão

Nuvem de chuva
Verão chegou molhado
Olhar vazio

Vento molhado
Sentimento calado
Paz no meu mundo

Sol de outono
Sonho de primavera
No céu de carmim

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Vazio

Já me encontrei
nas portas fechadas
e o teu sonho
transformou, fechou-me a luz.
Os tempos mudaram
o que eu quero sou eu.

Você lutou
achou seu caminho
perdeu a paz
Ah, vai ser assim.
Os tempos mudaram
o que eu quero sou eu.
Estou vazio.

(Piaia )
(Nossa! isso é antigo...)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Olhando para o nada

Como em todas as tardes, o suarento menino sentou-se no banco da praça na pequena cidade.
Com o olhar fixo no horizonte olhava para o “nada”, chamando a atenção do velho comerciante de tecidos, bem em frente, do outro lado da rua.
O fato se repetia há tanto tempo que nenhum dos dois se lembrava quando começou.
Mas naquele dia seria diferente.
Intrigado e disposto a saber o que o menino tanto olhava todos os dias, o comerciante deixou a loja, atravessou a rua calma e foi ter com ele.
“- Ô garoto! Porque todas as tardes você se senta nesse mesmo banco e fica olhando o “nada” no horizonte?”
“- Como olhando o nada?! –surpreendeu-se. “-Olhe e veja o senhor mesmo!”
“- Mas a única coisa que vejo é o sol se pondo atrás das montanhas!”
“- Que pena...” – lamentou o menino.

(Piaia)

Folha branca

Num dia de forte ventania, alva folha de papel voava tresloucada por este mundo de Deus, até encontrar pouso seguro numa velha e semi-abandonada cidadela.
Uma garotinha, de não mais de 8 anos, passava por perto e ficou curiosa em saber o que estava escrito no papel, pensando em tantas coisas novas que poderia aprender. Ao se aproximar, porém, uma nova rajada de vento fez com que a folha levantasse vôo novamente, partindo para outras paragens.
Voltou a pousar pouco tempo depois num antigo sítio que recebia os cuidados de um velho negro de barba por fazer. Apostando nas boas notícias que a folha de papel poderia conter, aproximou-se para apanhá-la, sendo também traído por outra rajada de vento que a levou para longe.
Pouco depois houve um novo pouso, desta vez próximo a um ponto de ônibus onde uma jovem adolescente aguardava pensativa. Quem sabe uma simples folha de papel não trouxesse mensagens tão românticas que aplacassem sua sede de amar?
Também foi traída pelo vento.
E assim o papel continuou seu trajeto enigmático, deixando muitas pessoas curiosas. Mas acabou que ninguém conseguiu saber o que continha a folha, na verdade branca, imaculada, sem qualquer informação. Mas cumpriu seu papel de provocar em cada parada a curiosidade e as esperanças dos que presenciavam seus vôos ao léu. E todos se sentiram um pouco mais felizes.

(Piaia)
Um abismo entre nós
Frágil ponte destruída
É preciso ter coragem
Remexer na vaidade
É preciso crer na vida

Um abismo entre nós
Que se enche de egoísmo
Tem que haver simplicidade
Enxergar a realidade
É preciso altruísmo

Um abismo entre nós
Cada um ficando só
É preciso dar um passo
Encurtar essa distância
Eu não quero ficar só

(Piaia)

Preço de custo

Na minha porta um homem
Pede comida e roupas
Na rua moças se dão
Todas com caras de loucas
Na sua porta a mulher
Lamenta a falta de sorte
No banco frio as crianças
Brincam esperando a morte

Você não tem que ser bom, não
Você só tem que ser justo
Eles já têm circo e pão
E esse é o preço de custo

Na televisão o poder
Fala bem mais do que faz
Agencias de publicidade
Inventam slogans de paz
A bem da verdade, isso tudo
Pretende dizer que é de nós
A culpa total do fracasso
Tentando calar nossa voz

Você não tem que ser bom, não
Você só tem que ser justo
Eles nos deram circo e pão
E esse é o preço de custo

(Piaia)

Prá onde eu vou?

Prá onde eu vou
Seguindo as velas?
Prá onde eu vou
Seguindo o sol?
Se as estrelas fazem segredos
Tão nem aí pros meus desejos

Prá onde eu vou
Seguindo os ventos?
Prá onde eu vou
Com tanta pressa?
Se por aqui tá bom a bessa
Tô nem aí pros seus bocejos.

Beijos que não te dei
Sonhos que não sonhei
Tudo o que não te falei
(Ainda bem!)

(Piaia)

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Afinal... (I)

...quem se deixa escravizar pelo egoísmo simplesmente passa pela vida.
Nada colhe porque nada plantou;
Nada leva porque nada deixou.
O egoísta passa.

(Piaia)

Afinal... (II)

...quem tem o direito de ser feliz sozinho?
Não é importante chegar primeiro porque o primeiro chega só.
Todos querem chegar, mas poucos se toleram a ponto de caminhar juntos.
Todos buscam a mesma paz, mas se fecham em sí próprios
porque não vislumbram que as metas são idênticas.
E a maneira de atingí-las é uma só e não só.

(Piaia)

Barulhento

Há pessoas que falam alto para se destacar, outras para serem respeitadas.
Há pessoas que ouvem, pensam e concluem.
Aqueles que falam mais alto geralmente são os que nada têm a dizer.
Os que têm algo a comunicar preferem o tom baixo, para serem ouvidos apenas pelos que sabem valorizar uma boca fechada.

(Piaia)

Tem gente que fala

Tem gente que fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala...
E tem gente que pensa.

(Piaia)

Recado (1) aos que se sentem deficientes

Que falte a visão
mas não a percepção.

Que faltem as pernas
mas não os caminhos.

Que faltem as mãos
mas não a intenção de estendê-las.

Que faltem os braços
mas não a vontade de produzir.

Que falte a audição
mas não as boas vibrações do silêncio.

Que falte a fala
mas não a expressão da verdade.

Que falte a razão
mas que não faltem os sonhos.

(Piaia)

Círculo

Quem muito fala pouco pensa.
Quem muito pensa pouco age.
Quem muito age pouco realiza.
Quem muito realiza pouco fala.

(Piaia)

Homem moderno

Sou um homem moderno.
Não tenho tempo para sentimentalismos, para os carinhos, para a atenção.
Minha vida é corrida, tumultuada, cheia de preocupações.
Corro atrás dos números, dos prazos, dos clientes, dos devedores.
Corro atras até nem sei de quê.
Às vezes penso: por quê corro tanto?...
Mas não há tempo para pensar.
Sou um homem moderno.
Educo meus filhos atraves da televisão.
Ouví dizer que há bons programas que preparam as crianças para se tornarem adultos modernos, como eu.
O melhor amigo de meus filhos é um vídeo-game.
Quando adultos, portanto, estarão preparados para a competição da vida,
por um lugar ao sol.
Ainda há sol?
Porque não "por um lugar às estrelas"?
Provavelmente elas continuam em seus respectivos lugares, acho.
Na escola eles, meus filhos, são um sucesso. O que há de mais moderno.
Computadores passam e corrigem lições.
Não precisam mais dos velhos e ultrapassados conselhos dos também velhos e ultrapassados professores.
Meus filhos têm o que há de melhor para se tornarem os melhores.
Quando orgulho de meus filhos!
Quantos são? Se não me engano...
Ah! Os nomes deles? Peraí, devem estar em algum lugar aqui na agenda... Benhê, me ajude aqui.
Esposa? Não, não, minha secretária.
É tanta correria, preocupações.
Sou um homem moderno, sabe?

(Piaia)

Impressões sobre o homem moderno

I
A impressão é de que o homem nasceu para correr.
Quando criança corre para brincar.
Quando jovem, para mostrar que é o melhor.
Quando adulto corre para pagar, receber, sobreviver.
Quando velho não consegue deter a corrida do tempo que o levará ao pó.
O homem não sabe parar. Mas dentro dos dias que já correm por sí próprios,
é preciso encontrar tempo para correr menos e viver mais.

II
O cidadão moderno quer tudo mastigado e digerido. Por isso passa pela vida sem conhecer seu verdadeiro sabor, sem sentir seus aromas, sem distinguir seus mais íntimos detalhes.
Simplesmente passa pela vida sem conseguir vivê-la.

III
O homem constróe arranha-céu mas está cada vez mais distante do céu.
O homem edifica torres que tocam as nuvens mas não consegue se aproximar de Deus.
O homem voa no espaço infinito, lá em cima, mas sua dignidade está cada vez mais lá em baixo.
Pergunta: Não seria melhor o homem manter seus pés no chão?

(Piaia)

Recado (2) aos que ainda se sentem deficientes

Que falte a percepção
mas não o bom senso.

Que faltem os caminhos
mas não a fé em suas existências.

Que falte a intenção de estender as mãos
mas não a consciência do que há para ser feito.

Que falte a vontade de produzir
mas não a oportunidade.

Que faltem as boas vibrações do silêncio
mas não as palavras de consolo.

Que falte a expressão da verdade
mas não a certeza de que ela está lá.

Que faltem os sonhos
mas que não falte o encantamento.

(Piaia)

Simples

Quem vive de teorias teoricamente não vive.

Viver é simples. Mas tem gente que complica tudo na busca de teorias para explicar essa simplicidade.

Na hora de tomar uma atitude muitas vezes confundimos, propositalmente, covardia com teoria.

(Piaia)

Como andar / comandar

Comandar não é humilhar, dar ordens, gritar mais alto.
Comandar é manter o equilíbrio e, para tanto, não é necessário fazer papel de idiota.
Não quero chefiar nada e ninguém porque, com muita frequência,quem dá ordens acaba se tornando ridículo.

(Piaia)

Liberdade

Houve um tempo em que liberdade era vestir uma calça velha, azul e desbotada.
Depois se falou que liberdade era simplesmente não vestir.
Em seguida, liberdade passou a ser vestir isso, não usar aquilo, falar assim, fazer assado...
O ser humano condicionou a liberdade à sua aparência, tornando-se prisioneiro da opinião alheia.
Ainda hoje o homem se preocupa muito mais em parecer do que em ser livre.

(Piaia)

Era uma vez um homem

Era uma vez um homem que falava lindas palavras.
Construía frases gramaticalmente perfeitas, sabia colocar todos os substantivos, adjetivos, pronomes, interjeições, pontos e vírgulas nos lugares exatos.
Era uma vez um homem que ninguém conseguia entender e que morreu sem ser compreendido, porque não teve suficiente humildade para falar e pensar com a simplicidade que a vida exige para ser plenamente vivida.
Era uma vez um homem que sabia tanto, mas não conseguiu saber o porque veio à vida. E por isso partiu como se nunca tivesse passado por ela.
Era uma vez um homem que não conheceu a humildade.

Dos tempos da Olivetti verdinha

Às vezes sinto inveja. Pecado? Talvez não, da forma como sinto.
É mais uma vontade de ser o que não sou ou de saber o que não sei.
Nada material. Não sonho em ter o que não tenho ou o que não posso ter. Sinto inveja, sem me sentir pecador, dos poetas, esses construtores de emoções, descobridores de sentimentos, malabaristas de palavras. Calculadores meticulosos de sílabas e frases, matemática que não valorizei nas aulas de Português.
Tenho a impressão que ao falar das coisas inexatas que vão pelo pensamento, utilizam a exatidão de uma máquina de calcular. Sílabas contadas, frases calculadas e um resultado final que sempre me deixa dúvidas. Parece-me tão complicado!
Fico com a impressão de que escrevem para que somente eles entendam, um código particular, uma senha pessoal. Difícil entender tanta exatidão de palavras que soam agradáveis.
Às vezes sinto inveja desses poetas. Não pelos sentimentos rebuscados, ou rabiscados. Invejo o tempo e a coragem que dispõem para conversar consigo próprios. Pelo menos é assim que os vejo. O poeta, ao eternizar seu pensamento, está conversando com sua consciência, com o seu "eu" que ele próprio desconhece. E por não conhecer despe-se de qualquer pudor. Nada têm a perder porque só eles, egoístas, sabem realmente o que escondem suas poesias.
Invejo os poetas porque, talvez, mesmo sem saber ou sentir, ao conversar consigo próprios estabelecem uma linha direta com Deus e, por isso, são mais facilmente ouvidos.
Invejo os poetas porque desconheço as fórmulas matemáticas para se construir uma poesia.
Gosto apenas de escrever, mas ao menos sei o que pode se chamar de poesia. Não conheço fórmulas, sou péssimo em matemática, não sei inventar palavras que não constam dos dicionários. Deveria ter estado atento às aulas de Dona Maria Lúcia. Tanto que ela insistia!
Hoje não sei escrever, senão de forma simples. Não sei falar, senão das coisas simples. Desconheço palavras, senão as que constam de qualquer dicionário de bolso.
Será que para me fazer ouvir por Deus precisarei também aprender a ser complicado? Minha matemática é horrível!
Invejo os poetas. Mas nem por isso vou me desquitar de minha máquina de escrever.
Invejo os poetas mas continuarei registrando o que sinto e penso, como sinto e como penso. E que se dane se os cálculos estiverem errados. Escrevo para o meu "eu". E ele também foi reprovado em matemática.

(Piaia)

Sabe por quê...

...o dinheiro não traz felicidade?
Porque é a felicidade que traz o dinheiro.

...quem com ferro fére com ferro será ferido?
Porque todos procuram o perdão do Pai, mas ninguém procura perdoar o irmão.

...Deus criou o mundo em 7 dias?
Porque seu projeto não precisou de aprovação do Congresso.

(Piaia)

Registros

Não existem problemas sem soluções. Mas certas pessoas insistem em procurar soluções para problemas que ainda não foram inventados.

Há quem prefira o falso conforto da mentida ao incômodo da verdade.

Ao invés de chorar pelo leite derramado as pessoas deveriam cuidar mais para que o leite não chegasse a derramar.

(Piaia)

Zezinho

Zezinho era um menino simples, que nasceu simples, numa casa simples, filho de pais simples.
Naquele lar respirava-se felicidade.
Um dia ele começou a caminhar por suas próprias pernas, conhecendo garotos não tão simples, nascidos em berços de ouro, nas mansões dos bairros mais chiques, filhos de pais importantes.
Aí ele começou a pensar que a felicidade que antes respirava não era verdadeira.
Hoje Zezinho é um adolescente que esconde sua simplicidade, mente sua origem humilde, não diz onde mora e envergonha-se dos pais não importantes.
Agora ele vive procurando uma tal felicidade que não sabe por onde anda e que às vezes lhe parece tão perto.
Um dia Zezinho vai descobrir que a felicidade é simples.

Selecionado entre 190 participantes com 2.904 trabalhos inscritos para o Prêmio Literário Cidade de Porto Seguro/Contos Curtos 2010.

(Piaia)

Sei lá o quê...

Dei a volta ao mundo e não cheguei a lugar algum
Tudo o que aprendi cabe em menos de cinco palavras.
Comi o pão que o diabo amassou
Lambusei-me com o néctar dos Deuses.
Quando alguém te ama o tempo é lindo.

Consigo esquecer todas as indiferenças
Mas nunca um gesto de carinho.
Quanto mais eu ando, mais me sinto longe.
Quanto mais procuro, menos conheço.
Quando alguém te ama o tempo é lindo.

A maioria não luta por dinheiro, mas pelo poder.
Todos querem parecer, mas ninguém se preocupa em ser.
A minoria que não se pronuncia se torna burra.
E de que adianta falar disso, se você prefere pagode?
Quando alguém te ama o tempo é lindo.

É amargo voltar pra casa quando ninguém te espera.
O pêndulo me avisou que vai amanhecer.

(Piaia)

terça-feira, 30 de junho de 2009

O relógio da felicidade

Numa pequena e pacata cidade do interior, um inventor -daqueles que ninguém dá crédito - inventou um relógio que só marcava o tempo em que as pessoas se sentiam felizes. Era um relógio movido à felicidade.
Instalado na torre da matriz, em meio a uma grande festa de inauguração, o relógio funcionou alguns minutos e parou. Muito tempo se passou e ele permaneceu inerte indicando que as pessoas não se sentiam felizes, apesar da fartura na mesa e do trabalho que nunca faltou na lavoura produtiva. Com o relógio parado aquela gente passou a se sentir infeliz sem saber o motivo.
Muitos perdiam preciosos minutos defronte ao relógio e, desolados, constatavam a total falta de movimento dos ponteiros. E as pessoas se sentiam cada vez menos felizes por acreditar que não tinham motivos para isso, já que o relógio -movido à felicidade- não acusava o tempo.
Certo dia, porém, num daqueles dias em que todos estão com preguiça e infelizes, o inventor que ninguém dava crédito resolveu examinar o relógio, quando descobriu que ele não funcionava devido a um pequeno defeito, e não por falta de felicidade das pessoas.
Resolvido o problema o relógio voltou ao trabalho e todos se sentiram felizes. Ah sim! Para sempre.

Notinhas:
- Certas pessoas somente se sentem infelizes porque alguém lhes disse isso.
- A felicidade também precisa de manutenção.

(Piaia)

Sem perguntas, por favor

Não me pergunte porque o tempo passa tão depressa.
Por aqui ele também passou
levando sonhos que nem deu tempo de sonhar,
fantasias que nem deu tempo de contar.
Levou canções, ideais, comportamentos,
sem dar tempo de vivê-los.

Não me pergunte porque o tempo passa tão depressa
deixando em cacos nossos castelos,
transformando em ruínas nossos planos.
Não me pergunte porque o tempo passa tão depressa.
Não me pergunte porque o tempo passa.

(Piaia)

Primavera

Muito mais do que flores
a primavera faz brotar os sonhos
em quem soube semear canções
nos ventos gelados do inverno.

(Piaia)

Não se irrite

Quem perde a paciência perde a razão.
Quem desrespeita perde o respeito.
Quem se exaspera perde o encanto.
Quem se altera perde o brilho.
Quem humilha torna-se ridículo.

Na próxima vez em que você se irritar, não deixe de explodir sua raiva contra quem lhe irritou. Mas faça isso diante de um espelho. Você vai ficar surpreso ao se ver tão ridículo.

(Piaia)

CULINÁRIA DA VIDA

Receitinha para uma agradável convivência familiar:

1- Coloque na tigela do lar uma grande quantidade de respeito, não sem antes peneirar bem para retirar qualquer impureza.

2- Adicione uma xícara bem cheia de compreensão.

3- Acrescente duas colheres, ou mais, de paciência.

4- Misture tudo adicionando carinho a gosto, que é para dar "liga".

5- Unte a forma de sua consciência com pensamentos e atitudes positivas.

6- Despeje tudo e asse brandamente no calor de seu coração.

7- Depois de pronto faça uma cobertura com muito afeto, recheie com seu amor e enfeite com tempinhos disponíveis de atenção.

Sirva em pedaços iguais, indiscriminadamente.

(Piaia)

Fórmula

A fórmula da felicidade é puramente matemática. Anote:
1- SOME para ser mais útil;
2- DIMINUA a ânsia de querer mais que o necessário;
3- MULTIPLIQUE as oportunidades de auxiliar;
4- DIVIDA o que lhe é demais.

Resultado final:
A sensação de ser alguém em paz consigo próprio.
Faça essa conta e não faça "de conta".

(Piaia)

Conversa Fiada (também tenho esse direito)

Penso, logo, escrevo.
Escrevo, logo, sinto.
Sinto, logo, reflito.
Reflito, logo, penso.
Se penso, reflito e escrevo,
porque não pensar, refletir e escrever palavras mais interessantes?


Às vezes tenho a impressão de que escrever é desperdiçar letras.
E quantas letras jogadas ao vento!
Se recolhidas, com paciência, talvez pudessem formar palavras bem interessantes. Ou, quem sabe, se o próprio vento se incumbisse de uní-las? Com certeza ele teria impressões surpreendentes a nos revelar.
Enfim, é assim! Vou por aí, jogando minhas letrinhas ao vento para, talvez um dia, se enroscarem em algum canto dispostas em palavras que lhe agradem.

(Piaia)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Filosofando

Filosofia do trapezista:
"Na vida, o importante é manter o equilíbrio”.

Filosofia do homem que vive em paz com o mundo:
Idem anterior.

(Piaia)

Pensamentos ao vento

O vento que traz recordações é o mesmo que leva nossas mágoas.
O vento que despenteia cabelos é o mesmo que move moinhos.
O vento que resseca a péle é o mesmo que traz a alegria da chuva.
O vento que destrói barracos é o mesmo que espalha sementes.

Vento sem eira nem beira
que espalha e que leva do mundo a sujeira.
Para alguns é tão bom, para outros, tormento.
Depende do lado que você está do vento.

(Piaia)

Sinceramente?

A sinceridade é como uma arma carregada e engatilhada.
Precisa estar em mãos muito hábeis para não causar danos;
Precisa estar em mentes muito arejadas para não destruir sonhos.
Com muita freqüência, a sinceridade é utilizada inabilmente, causando danos irreparáveis.
Com pouca freqüência a sinceridade é utilizada para construir, iluminar, abrir novos horizontes, valorizar o ser.
A sinceridade é uma luz às vezes ofuscada pela falta de habilidade.

(Piaia)

Músico

Pensou o musico diante da platéia ignorante:
“Que esse acorde não lhe acorde”.

Arteiros

Uma caneta, um pincel
Mil idéias, um papel
Sonhos loucos num martelo
Mãos que buscam o mais belo
São projetos delirantes
São cabeças vacilantes.
Vagabundos,
Operários da ilusão.
Ideal que não se alcança
Vem revolta e vida mansa
Falso stress do conformismo
Não tem volta esse batismo
Que é de sangue.

(Piaia)

Passa

Passa passarela, passa.
Passam pedágios
Passam árvores, andarilhos.
Passam pontes, prostitutas.
Passa o tempo.
Passa passarela, passa.
Passam motos e caminhões
Passam carros e pensamentos.
Passa radar
Passam campos e plantações
Passam rios.
Passa passarela, passa.
Tudo passa.
Só não passa essa dor de saber que tudo passa.
Até você.

(Piaia)

Longe

Chuva no pára-brisa me leva ainda mais longe.
No estacionamento do supermercado vejo cada um vivendo sua vida.
E eu tão longe de todos vivendo suas vidas.
Será que alguém se lembra de mim tão longe?
Musicas tristes me fazem sonhar.
Levam-me ao passado.
Tão bom...

(Piaia)

O cão

Na cena solitária de uma paisagem triste o cão se destaca.
Cabisbaixo, seguindo os passos de seu dono andarilho, não se manifesta.
Simplesmente acompanha, sem ser preciso obedecer.
O silêncio da natureza quebrado por carros e caminhões.
Todos passam e nada aproveitam.
Os cães preferem companheiros de almas puras.
Por isso as crianças, os mendigos, os simples...
Ainda bem.
Melhor que um cão que lhe segue é um cão que lhe acompanha.

(Piaia)

Homem sem mão

Na beira da estrada, de boné, roupas surradas.
Um rasgo na mochila deixa visível a marmita.
Rosto feliz, de quem nada deve, de dever cumprido.
Suor de árduo trabalho.
- Vai carona aí?
- Brigado, andar faz bem, tô pertinho.
Aí vai um homem feliz.
Trabalhador de uma só mão.
Com minhas duas, agarro-me ao volante, pensando:
Seria mais feliz se tivesse o par?
Heim?

(Piaia)

Observações de um ex-viajante

Paredes, mesas, pessoas
Computadores
Risos, planos, segredos
Computadores
Obrigações, farsas e dores
Computadores
Intenções boas e más
Computadores
Cafezinho, risadas e pernas
Computadores
Arquivos, pastas, impressores
Computadores
Jobs, sigilos, mudanças
Computadores
Cabelos, espelhos, batons
Computadores
Tipos, sonhos de amores
Computadores
Sandálias, tamancos e passos
Computadores
Escadas, janelas, alarmes
Computadores
Narizes, olhares agressores
Computadores
Mãos, dedos indicadores
Computadores
Botões, teclados, monitores
Computadores
Fffff...
Saudade da estrada.

(Piaia)

sábado, 13 de junho de 2009

Pedras que pulam

Na área de descanso espero a chuva amansar.
Demora.
Ameaça de sol, olhos semi-serrados, preguiça, pensamentos.
Percebo os pedriscos saltando em direção ao sol.
Centenas.
Pedras que pulam???!
Fixo o olhar e pasmo:
Centenas de sapinhos celebrando a luz, saudando o sol.
Pequenos, corajosos, arriscando-se por um momento de vida.
Breve, porém, é a vida.
Invejo-os.

(Piaia)

Que chuva!

Molhado, cansado, pressionado.
Vidro fechado, tudo embaçado, quente demais.
Não dá pra ver nada, ninguém.
Só eu no espelho com mil fantasmas ao redor.
Tanto ainda por fazer e eu preso em líquidas grades.
Rádio, ventilador, pensamentos.
Tudo chato demais.
Mas o trabalho alegra e não há o que esperar.
Lá vou eu com chuva e tudo.
Puts, ta forte.

(Piaia)

Chuva no pára-brisa

Hoje cedo o livro me falou:
A caridade de dar é fácil.
Qualquer um faz.
Difícil é a caridade da paciência.
Por isso vale muito mais.
Agora, enquanto escrevo, o rádio me diz:
Se existisse somente o Dó não haveria canção.
Penso que captei vossa mensagem.
A vida é mesmo um barato.
Chuva no pára-brisa faz a gente viajar.

(Piaia)

Rei Posto

O rei perdeu seu reinado
porque permaneceu sentado à beira do caminho.
Aos meus filhos ele não diz nada.
Nas curvas da estrada
Está sozinho.

(Piaia)

Hai Kai de inverno

Triste inverno.
Aos olhos de quem ficou
Quem foi não volta.

Piaia

Comigo mesmo

Tô ficando cheio de conversar comigo.
Estradas, montanhas, pedágios, passarelas.
E os assuntos sempre os mesmos.
Estar sozinho é bom, às vezes.
O chato é que sempre sei quando estou mentindo.
Contar vantagem prá quem?
Solidão é algo que dói, de verdade.
Celular, adrenalina.
É o Bocão.
- Faaaaaala...
- Só pra saber se você tá bem.
Bom ser lembrado.

(Piaia)

Hai Kai da janela

Ventinho frio
Janela bate solta
Espera em vão

quinta-feira, 4 de junho de 2009

O vira-lata

Na ida estava ele inerte, deitado no acostamento.
Para todos que passavam preocupados com a chuva,
só mais um vira-lata morto, atropelado.
Na volta, sentado no mesmo local,
enquanto um jovem acariciava sua cabeça.
Pela expressão, nem ele acreditava que havia escapado dessa.
Alguém estendeu a mão,
mesmo quando parecia que não havia mais nada a fazer.
Nem todo jovem é um imbecil.
Nem todo vira-latas deitado no acostamento está morto.

(Piaia)

MICRÔNICAS

O nome deveria ser "Micro Crônicas", mas como soa muito feio, mudei para "Micrônicas". Há muitos anos o jornal Noticias Populares (aquele que soltava sangue) publicava uma crônica que não me lembro quem assinava. Era uma micro crônica, em cerca de 10 linhas, onde o cára falava tudo, passava tudo, não ficava devendo nada. Muito bom mesmo. O que eu tento aqui é apenas imitá-lo, embora esteja muito, mas muito longe dele. '

Piaia

sábado, 2 de maio de 2009

Bem vindo!

Olá.

Sou o Piaia, Denivaldo Piaia, e nem sei bem ao certo o que estou fazendo por aqui. Mas algo me diz que devo permanecer.
A idéia inicial é publicar aqui aquelas coisas (textos) que, com o tempo, acabam no lixo.
Antigamente fazia isso no "Jornal Express", até o dia que essa droga saiu do ar e nunca mais recuperei os textos que lá publiquei. Saco. Ainda fico irritado quando me lembro dos textos que perdí.
Bom, agora já foi. Vemos ver o que acontece.
Amanhã é outro dia e espero estar nele.