sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Terminal (II)

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Mais uma noite agradável e lá estava eu, apreciando a movimentação no terminal de ônibus, desta vez bem mais tranqüila, penso que pelo adiantado da hora. Para meu deleite, porém, o pastor se fazia presente fazendo sua entusiasmada pregação. Não tive dúvidas: comprei um amendoim “quentinho”, sentei-me num banco e passei a ouvi-lo.
Sem seu terno habitual devido ao clima, mas com uma alinhada camisa de mangas curtas, tecia pesadas críticas à televisão, às novelas e outros que-tais. Ninguém lhe dava bola. A sonolenta rotina somente foi quebrada por uma jovem, visivelmente habituê do local, que passou por ele e começou a tecer comentários desafiadores, acompanhados de gestos obscenos, mostrando o dedo “pai de todos”. Aqui pra você –gritava ela. Vai fazer alguma coisa de bom em vez de ficar aí falando o que os outros têm que fazer –acrescentava. Não bastasse o incômodo e os gestos baixos, agitava uma bandeirinha da Dilma. E ele falando sobre os pastores da TV, que prometem riqueza e vida fácil, mas que não movem uma palha para ajudar quem quer que seja de outra religião. Ironizou abertamente a igreja evangélica, que não ajuda “budistas”. Não, não entendi o motivo dessa referência aos budistas em especial. E a moça gritando e gesticulando obscenamente, despertando a indignação de todos que passaram a prestar atenção às palavras do pregador, despertados que foram pela má educada ouvinte. Ele seguia, agora tecendo severas críticas à música chamada “Gospel”, por ele classificada como “lixo que nos dá vontade de cuspir”. Uma frase utilizada ficou gravada em minha memória: “Nunca tanta gente acreditou em tantas mentiras”.
A moça se foi, tudo se acalmou, mas penso que ela cumpriu seu papel. Notei que, agora, todos ouviam-no atentamente, a maioria concordando com suas palavras através de leves movimentos de cabeça. Até eu! Acabei me dando conta de que concordo com cerca de 90% de sua pregação e, não fossem as sólidas bases filosóficas alicerçadas no espiritismo que mantenho, facilmente o seguiria.
Meu ônibus encostou e, já instalado em seu interior, eu continuava me esforçando para ouvi-lo, assim como meus colegas de transporte coletivo. Uma pena o motorista ter cumprido seu horário à risca. Hoje não vejo a hora de ir embora para ouvir novamente meu pastor preferido. Vou acabar me convertendo...
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Deni Píàia

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Mãe moderna

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ooooo“Tenho 17 anos e sou mãe. Sou sim, e daí? O que você tem a ver com isso? Mas sou uma mãe moderna, não sou careta como foi a minha. Meu filho foi feito no maior barato, no banco de traz de um fusquinha 69. O pai tá por aí, sei lá! Sou uma mãe moderna sim, filmou? E meu filho também é porrêta! Está com dois anos. Tô educando ele do jeito que eu gostaria de ter sido educada. Com toda liberdade. Ele já sabe até te mandar praquele lugar! Faz o que quer, fala o que pensa. Não tá nem aí, cara. Sou uma mãe moderna, sabe? O futuro dele? Quero nem saber. Cada um se vira por si. O amanhã é amanhã. Só quero saber do hoje. O que ele vai ser quando crescer é problema dele. Não sendo mais um caretão, tá legal. É... Sou uma mãe moderna sim. E mãe moderna não tem que esquentar com futuro. Aliás, acho que mãe moderna assim nem tem futuro.”
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Dei a moedinha e ela se foi.


(Deni Píàia)

Livros que choram

6.o lugar no "Concurso Internacional de Poesias da Biblioteca Adir Gigliotti” de Campinas-SP, 2010, realizado sob o tema "Alcy Gigliotti".
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Cheiro de mofo agride narizes
Range lamentos a estante pesada
Exibindo volumes, variadas matizes
Chora o abandono de cultura acumulada


Silencio gritante reclama atenção
De quem viveu transparência de vidros
Febril bibliófilo semeou emoção
Por Alcy Gigliotti soluçam os livros

(Deni Píàia)