quinta-feira, 26 de maio de 2011

Menino medroso

 3º lugar no Concurso Literário da Academia de Letras de Nova Trento-SC, categoria Crônica, 2012.

2º lugar no  8ºConcurso Literário de Contos, Crônicas e Pesias da Biblioteca Municipal "Paula Rached", de Pederneiras-SP, 2012.


O frio riscou a face com gravetos secos e a árvore reverenciou o vento, humilde, curvando-se com braços lentos. No céu espinhoso de quase inverno nuvens apressadas se juntaram para formar um grande fantasma.
Com o rosto colado à vidraça o menino sonhava um sonho com gosto de goiabada. Não ouviu a mãe chamar para o banho porque estava só. Tentou imaginar o futuro, mas a linha do horizonte era tão longa que se enroscou com a linha de sua pipa, enrolada numa lata de leite Moça atrás da porta. Nem o amanhã conseguiu vislumbrar, exceto pelas bolinhas de gude e o medo da polícia. Foi lhe dito que ela buscava crianças mal-criadas. E agora, aquela pedra atirada contra o furgão verde que passou levantando poeira... Descobrira o arrependimento do réu-confesso, o medo do mundo adulto sem pião e fieira. Tudo feito só para ver o que aconteceria e agora sabia.  Tudo para depois correr contar aos outros meninos e se ver herói ao menos por uma vez. Tudo para depois correr e se esconder debaixo da cama, com medo do homem do furgão que lhe fez um gesto de surra. Já se via sendo levado por policiais montanhosos, esperneando como galho fresco em vento forte, gritando lágrimas graúdas sem ninguém para contá-las. Medo, sempre o medo, inimigo de sempre. Que ódio desse gosto de medo na boca, sabor metal enferrujado, escorrendo por entre dentes de leite.
Veio a noite, mas não o sono, que preferiu ficar brincando com o medo, rindo, ambos, do menino medroso. E a policia na porta que não era do quarto, mas do mundo, que seria derrubada a qualquer momento. E as cirenes com suas bocas banguelas gritando o desespero das crianças abandonadas, chamando o menino. Todas as cirenes soaram naquela noite na cabeça do menino de olho estalado. Já não chorava, só esperava pelas mãos ásperas e pesadas que o levariam não importa para onde. Longe de casa todo lugar é longe. Longe da mãe todo lugar é nada. E o resto da noite se arrastou como açúcar queimado, amargo. E escureceu.

Havia um galo, arauto de mais um dia com suas cores servidas numa bandeja de sol. Havia um quintal e suas bananeiras, hibiscos, macãzinhas verdes e bolinhas de gude. Houve esperança de um dia de sol laranja, mas o medo o espreitava como um tigre. Houve, sim, uma palavra de consolo e verdade. O menino com medo jamais enxergaria a utilidade de se amedrontar as crianças.
A vida seguiu o caminho que margeia o rio, mas não atravessou as pontes do caminho. As águas não refletiram mais que o céu repleto de fantasmas feitos de nuvens apressadas. Até hoje as árvores ainda reverenciam o vento e atrás delas o medo continua a me espreitar. Só o furgão verde nunca mais foi visto.

Deni Píàia