sexta-feira, 23 de maio de 2014

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Você e o mar



Sinto tanta saudade do mar
quanto do amar.
Quero outra vez sorver suas ondas
inebriar-me em sua brisa
frescor da manhã.
Quero, ainda, lamber o seu sal
não poupar os olhos famintos
de sua imensidão que me amedronta.
Vou esconder meus pavores e levantar âncoras
levar minha nau pela vastidão de seu corpo,
Marinheiro de saudosas viagens.

Ver de mar
De gole engole as velas brancas
na ressaca de um dia sem cores

Camomila


sigo envolto pelas joias mais caras

nem assim tão raras

mas com todos os brilhos

pois levo comigo

os abraços dos filhos

e uma mulher cheirando a camomila

no café da manhã

Uma poesia me socorreu


-->
para Geraldo Trombin

No deserto da ação
contramão
rejeição
sempre o não

Mas
houve um oásis de pedras
em areia movediça:
Uma poesia me socorreu

Mãos amigas
palavras antigas
um dia novinho sem vícios
ou obrigações
Uma poesia me socorreu

trova




Silhueta na janela

toda noite faz sonhar

co'a coisinha que é tão bela e

que ela nunca quis me dar

trova




Felicidade é bem mais

Que ter dinheiro na mão

Bem fazem os animais

Que só lutam pelo pão

Tentei


Tentei calar a canção que existe nela,
apagar o sol que nela brilha,
pregar as asas de sua janela,
destruir as pontes de sua ilha.

Pensei turvar o branco do seu sorriso,
poupar o mundo de sua alegria,
transformar sua garoa em granizo,
e nunca mais lhe fazer poesia.

Queria... ah, como eu queria
esquecer seu nome, suas datas, seu jeito,
Apagar do calendário aquele dia
arrancar suas marcas do meu peito

E como flecha lançada do arco
fui buscá-la em cada canto do cais,
para no casco do último barco
gravar seu nome para nunca mais.

Sobre nós


Quando o primeiro raio de sol veio me abraçar
senti um pouco do seu conforto,
mas não havia seu cheiro.
Passar. É só isso que o tempo faz.
Ninguém jamais saberá tudo sobre nós;
Especialmente nós.

Sentido


Hoje acordei me sentindo…
sem sentido.
Não sei se o que tenho tido
é parte do que tenho lido
ou do que tenho sido,
mas hoje eu acordei assim,
meio sentido.

Príncipe desencantado


Entre encantos e desencantos
a vida nos jogou para alguns cantos
onde o canto dos pássaros não chega.
Eu, do meu recanto,
enquanto decanto a sujeira,
arrisco no meu entretanto
motivos para tanto espanto.
Só por isso canto.

Preguiça


O mato me invade
O mar me prolonga
O céu me apequena
E tudo me enleva
na preguiça do rio

Policiado


Mais que uma farda, carrega um fardo.
Veste o perigo, sai para o incerto.
Fique esperto! – diz a mulher sabichona.
Fique vivo – diz a mãe aflita.
Fique comigo – diz o filho choroso.
Fique – diz a consciência limpa.
Vá trabalhar – determina a vida suja.

A rua é praça de guerra,
A praça é rua de terra
Que lhe pede proteção.
Mas quem vai protegê-lo?
Honra e miséria nunca rimaram,
Mas bandido rima bem com perigo.
Vai como se fosse ele o alvo a esconder.
Nem pensa na volta, que é incerta,
Nem pensa na morte, quase certa.

Estatelado no chão, com a boca aberta,
Foi encontrado mais tarde
Em óbvia desvantagem.
Somente o bem-te-vi, sem alarde,
Prestou-lhe a última homenagem.

Poesia perfeita


Busquei nas gavetas do tempo
nos armários inúteis
em bolsos esquecidos,
onde encontrei apenas velhas lembranças,
e delas tentei fazer poesia.

Procurei nas esquinas poeirentas
sob pontes descabidas
em portas inocentes,
onde se exilam excluídos e tímidos,
e em seus olhos não estavam as rimas.

Perguntei aos sonhos interrompidos
janelas que contemplam o nada
paisagens estampadas nas paredes,
onde o tédio finca raízes nas nuvens,
mas ninguém soube noticias.

Publiquei apelos no jornal
gritei a pulmões esperançosos
esperei à sombra das torres,
onde as esperanças são incoerentes,
e não me trouxeram provas.

Onde estaria a poesia perfeita?
a tais horas perambulando pelas ruas
talvez acolhida num banco de jardim
talvez escondida tão perto de mim...
Poesia mais que perfeita
talvez me visite no próximo domingo.

Passe bem


Não sou metade de nada,
não vivo de amor ou boas vibrações,
não me alimento de sol e
o arco-íris não passa de um reflexo.
Estrelas nascem e morrem,
e daí? Amanhã estarão no mesmo lugar,
mas eu não.
Sou carne, sou osso,
sou imundices e trapos,
sou vísceras e uns poucos cabelos.
Os meus versos nascem nus,
Minha poesia é fria.
Não vivo de sonhos,
sorrisos não satisfazem minha fome.
Os românticos, talvez,
no seu falso mundinho,
cor de rosa e chato como só.
Mas eu vivo acordado,
do meu trabalho,
dos meus planos,
das minhas atitudes.
Não dependo de alguém que
vibre positivamente por mim ou
meu sucesso.
Eu faço o meu caminho e
se me derem um empurrãozinho,
agradeço.
Nada mais que isso me basta.
Estou farto de palavras,
mensagens de auto-ajuda
que escondem a hipocrisia,
que disfarçam os caninos
longos e ensanguentados.
O mundo nunca esteve tão piegas,
chato e artificial.
Atitudes estão em falta,
verdades engavetadas.
Não tenho tribos, mas
não me faltam amigos;
Não preciso ter sonhos, pois
faço meus planos e vou buscá-los.
Não preciso que me digam o que fazer,
pois sei o que quero, e
o que quero quase sempre
não é o que os outros querem para mim.
Quero pisar em todos os mundos e
se você não gostar
tire o seu do caminho,
saia do caminho,
recolha seus discos e livros;
Eles não me interessam.
Minta para você, se
isso o satisfaz,
mas nem mesmo sua verdade
me interessa.
E passe bem. 

Onde você se droga?


Onde você se droga?
Na esquina, na veia, na teia?
Numa mesa de bar ou
na sala de estar?
Vendo TV no domingo,
aceitando tudo sorrindo ou
na praia da moda?
Alguém se incomoda?
Onde você se droga?
No sonho da manhã de segunda,
no rebolar de uma bunda ou
no volante do seu carrão?
Nos momentos de solidão
tenho certeza que sim.
Onde você se droga?
Num banco de jardim ou
contando seu dinheiro suado?
Traindo quem ficou ao seu lado,
Fingindo-se de bacana,
enganando ninfetas na cama?
Contando uma boa mentira ou
a cada vez que respira?
Onde você se droga?
Na tela do tablet moderninho,
na compra de um celular bonitinho
em 12 suaves prestações?
Onde você se droga?
- Onde morrem as ilusões.

No conforto de minha poltrona


Hoje vou vestir poesia,
calçar duas enormes asas,
abraçar minha mochila de sol
e seguir o caminho dos ventos.

Num barco movido a sussurros
navegarei por mares de leite,
vou mergulhar em palavras de amor
e me secar nas páginas de um bom livro.

Sob um céu verde-limão
vou escalar montanhas de creme,
refrescar-me ao som de um blues,
cochilar num tapete de pedras.

Só vou acordar com o cheiro de café fresco
Coado pela mulher amada.

Mulher paisagem


Mulher paisagem
morta,
mal cheirando a tédio,
passividade de um abajur.
Feita para ser vista,
mantida pela revista,
páginas grudentas de se engolir.

Mulher paisagem
morta,
linda de se ver,
mas não me acorde pela manhã.
Quero sonhar o sonho que você desconhece.

Mulher paisagem
morta,
o silicone tirou-lhe o viço,
o dinheiro comprou-lhe fãma,
bajuladores a convenceram que
poderia voar.
Amanhã não terás.

Mulher paisagem,
paisagem morta
bonita e só,
mas não me arrebata
como casinha à beira do lago
na estrada para Pedreira.

A mulher ideal




A mulher ideal é aquela

que se sente o perfume apenas quando abraça,

que depois de tudo te espera na janela,

que responde às adversidades com graça

e te convence de que amanhã isso passa.




Mulher ideal é aquela

que sabe fingir ciúme na hora certa,

transforma o pior cenário em aquarela,

sabe se fazer de boba, muito esperta,

e sempre surpreende sob a coberta.




Mulher ideal é aquela

que gosta de poesias e até dramalhões,

mas com ingenuidade se revela

ao proclamar todos os palavrões,

com uma força de romper grilhões.




Mulher ideal é aquela

Que se faz pequena, menininha,

Mas desafiada jamais amarela,

e sem perceber se faz rainha.

Mulher ideal é a minha

O ponto,


fingindo-se vírgula, foi reticente... Dois pontos definem melhor: um hífen – separando-o de seus objetivos/ seria uma barra.

Metade


A idade lhe trouxe limites à visão. Passou a enxergar somente a metade vazia do copo.
Num descuido, morreu afogada na metade cheia de suas lamentações.

Livros


Viveu proclamando, orgulhoso, que ler é para os tolos. Poesia, então, nem se fala!
Quando a netinha lhe perguntou sobre a vida, chorou uma lágrima para cada livro não lido.

Gaiato




Sextavado

peão

charuto

quadrado

De qualquer forma ou formato

lá vai o balão

levando a emoção

de um menino gaiato

Festa


Dois livros, dois Drummonds
Uma caixa de bombons
Um discreto ventilador a soprar
Seu frescor urbano às paredes
Que é para não constipar.
Corpo relaxado no abraço da poltrona
Pés ao alto (ao contrário do cowboy)
Conferido que assim nada me dói, nada contesta
Posso ouvir o coração em seresta
que ler Drummond é sempre uma festa.

Em Si Bemol


Tal água
Meu caminho é somente de ida
Não voltarei para onde não me esperam
Retalhos do passado não me detém
O futuro, peças de um quebra-cabeça.

Tal vento
Meus passos são todos incertos
Levo na boca um gosto de pavor
Hoje tenho apenas o vento a meu favor
Mas posso morrer na próxima esquina.

Tal fogo
Meu destino se apaga com a chuva
E se altera com os sabores
Faz clarão em mentes opacas
Pode estar sob meus sapatos sujos

Tal terra
minha vida se molda com a água
movimenta-se com o vento
seca-se exposta ao fogo do sol.
Se isto um dia for cantado, que seja em Si bemol.