quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Terminal Rodoviário

Prêmio Melhor Destaque Literário do 7º Concurso Literário Poemas de Amor, realizado pelo site com o mesmo nome, conferido a pedido do juri, uma vez que a crônica em questão não se enquadrava ao tema proposto "As faces do amor"  (2011).

Menção Honrosa (9° lugar) no 1º Prêmio Escriba de Crônicas - Piracicaba-SP, com 1.540 trabalhos inscritos, 2011.

Prêmio Participação Especial em Prosa no II Concurso de Poesia Popular da UBT Maranguape-CE, 2011

-Pipoca é cinquennnn... té cinquennnn... té cinquennn
-Meus irmãos, está aqui na Bíblia.
-Amendoim torradinho só setenta.
-Pipoca é cinquennnnn...
-Tem um trocadinho pra me ajudar?
-Chocolate Suflé, só num é mais doce que mulé.
-Um é dois, três é cinco.
-E Jesus falou...
-É cinquennnn... té cinquennnnn...
-Moçô, passa na rodoviária?
-Água só um e vinte.
-E a pipoca?
-É cinquennnn... té cinquennnnn...
-Torradinho, torradinho!
-Vrrrrrummmmm...
-Peraí, moçô!
-Quando Jesus perguntou aos seus apóstolos...
-Tem uma moedinha?
-É cinquennnn... té cinquennnnn...
-Suflé é da Nestrê!
-A que horas vai sair?
...
Marqueteiros, vendedores, pastores, pedintes... Povo. O terminal de ônibus me parece uma grande colcha de retalhos humanos onde cada um busca seu lugarzinho ao sol, embora seja noite. Sentado num banco tentando registrar o que vejo e ouço, fico perdido num turbilhão de ofertas, pedidos, perguntas, conselhos, freadas, aceleradas, passos, correrias e pernas, algumas bem bonitas! Fico imaginando de onde vem toda essa gente que, de alguma forma, em sua maioria, tenta levantar uns trocados. Verdadeiros profissionais de vendas, desdentados e maltrapilhos, que vivem de seus parcos negócios, enquanto eu não consigo vender nem pra mim mesmo. Onde estão suas famílias, seus amigos, suas casas?
Resolvi experimentar o amendoim torradinho-torradinho, acondicionado em tubinhos de papel dentro de uma espécie de balde que, embaixo, tem uma abertura onde uma brasa mantém a iguaria aquecida. E não é que estava quentinho! Achei que valeu o preço: só setenta centavos. O “Suflé” até que provoca a gente, mas naquelas mãos quentes deve estar uma papa. A água mais quente ainda. Quanto à pipoca tenho vontade de chutar o pacote, de tão chato que é seu anúncio: -É cinquennnn... té cinquennnnn...
Um caso à parte é o pastor. Bela oratória! Um sujeito bem vestido, terno limpo, puído, mas limpo. Pasmo com seu nível de informação. Fala do diabo disfarçado de roqueiro, citando Led Leppelin, John Lennon e Nirvana, discorrendo sobre Raul Seixas no cenário nacional, entre outros. Faz uma profunda e excelente crítica sobre a programação televisiva onde, logicamente, lá está o capeta de novo, em todos os canais e horários. Mete o pau em religiões, todas! –Minha religião é a Bíblia, diz ele. Pisoteia sobre a moral de pastores que pedem e tiram dinheiro dos fiéis, até deixando alguns expectadores contrariados.
À primeira vista lembra uma feira onde ninguém conhece ninguém, onde todos estão sós. Ledo engano. Observando melhor percebo que, atento ao pastor/orador, outro espera ao longe para substitui-lo ou acompanha-lo no caminho de volta. O vendedor de “Suflé” acompanha o da pipoca, que é amigo do amendoim. A mulher que vende água é mãe da moça que vende frutas na outra plataforma. O pedinte de moedas é parceiro do outro que já pediu, ganhou e agora está fumando sossegado. Os motoristas são companheiros entre si e conhecidos da maioria dos passageiros. Enfim, acabei por concluir que só eu estava sozinho. E como num passe de mágica, de repente o terminal se esvazia. Para onde foram todos? Vendedores desapareceram, o pastor silenciou e sumiu, os ônibus escassearam, os pedintes já se acomodam na calçada. Fico com a impressão que se diluíram e escorreram para as bocas-de-lobo, de onde agora me observam irônicos. Seguiram seus caminhos e eu fiquei só. Vou tomar o próximo ônibus e também seguir o meu, para chegar em casa e continuar só. Mas amanhã eu volto para reencontrar minha turma.

(Deni Píàia)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ai de mim

Classificada p/ antologia no Concurso Literário “Escritos de Amor” da Editora Casa do Novo Autor, São Paulo/SP, fev 2011.

Vestia borboletas e sorria margaridas
Pronunciou frases azuis
Emoldurando sons de flauta pan
Volitou como brisa fresca
Sob o luar cheirando a jasmim
Ai de mim...

Abriu-se Angélica no mês de abril
E mergulhei em seu colo de relva
Aconchego de mãe novinha
Pétala branca em luna noite
E ficamos assim
Ai de mim...


(Deni Píàia)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Dona Juraci (será esse o nome dela?)


Os remédios de Dona Juraci

2º lugar no  8ºConcurso Literário de Contos, Crônicas e Pesias da Biblioteca Municipal "Paula Rached", de Pederneiras-SP, 2012.


Foi há algum tempo e, se não me engano, o nome da senhora é Dona Juraci. Foi quando eu entregava produtos ditos naturais que comercializávamos pelo sistema de telemarketing. Mas isso não importa. O que vale registrar é que na primeira vez que fui à casa de Dona Juraci entregar sua encomenda (não me lembro qual era o problema dela, se é que não tinha algum) travamos um agradável bate-papo. Contou-me de sua origem humilde, de suas doenças, de suas consultas, dos médicos desatentos e dos remédios que tomava e que nada resolviam. Para provar – pessoas de idade sempre querem provar o que dizem – fez questão de me mostrar os medicamentos que utilizava.
A casa de Dona Juraci ficava nos fundos de um grande terreno que abrigava um vigoroso pomar, com dois abacateiros que se destacavam. Insisti que não precisava mostrar, mas ela fez questão. Era tão atenciosa e humilde que concordei, por fim, em ver sua farmácia. Enquanto eu esperava no portão fechado, lá se foi ela atravessando o imenso terreno rumo à casinha nos fundos, pé a pé, vagarosamente, como permitia sua precária saúde. Não me esqueço do som de seus chinelinhos se arrastando pelo chão de terra batida.
Pouco depois de desaparecer dentro da casa, retorna ela com quatro enormes sacolas plásticas, daquelas de supermercado, abarrotadas com misterioso conteúdo, de forma que mal podia carrega-las. Fiquei morrendo de remorso ao ver seu esforço, andando como um robô, e recusei-me a acreditar que tudo aquilo seria remédio. Da mesma forma que foi, veio. Pé a pé, bem devagarzinho, arrastando os chinelos, até chegar em minha frente e, completamente exausta e suada, depositar, quase largando, as quatro sacolas no chão. Acompanhada de um profundo e sofrido suspiro veio a revelação que quase me fez mijar de tanto rir:
– Uffff... Só consegui trazer metade.
Ela falava sério.


Os abacates de Dona Juraci

Vocês já conheceram Dona Juraci. Será que era esse mesmo o nome dela? Gostaria de ter uma memória mais aguçada, como a do meu amigo Flodoardo. Qualquer dia conto dele. Mas lá fui eu levar uma nova entrega de produtos ditos naturais para ela. Já contei que ela mora na periferia de Sumaré? Como velhos amigos, fui recebido de forma mais despojada. Era impossível simplesmente fazer a entrega e me retirar, porque os assuntos para Dona Juraci nunca terminavam. Ela é daquelas que vão emendando um tema ao outro até formar uma grade e colorida colcha de retalhos temáticos. Mas ao entregar os produtos chamou-me a atenção a forma como ela levou-os para dentro de casa, andando com agilidade, esperta, sem arrastar os mesmos chinelinhos da vez anterior. Fiquei satisfeito ao ver que os produtos lhe fizeram bem. Ou se foram as oito sacolas de remédios, nunca soube.
Pouco depois Dona Juraci retorna com duas sacolas, mas desta vez com um conteúdo muito mais interessante: abacates. E eram de presentes para mim! Afinal os abacateiros estavam esbanjando frutos, enormes, lindos, carnudos e saborosos, conforme confirmei mais tarde. Vai daí nossa conversa derivou para os abacateiros e sua bondade natural em agraciar o ser humano com tantos frutos maravilhosos.
–Ah, mas isso tem uma explicação! – esclareceu Dona Juraci, referindo-se a uma simpatia para o abacateiro carregar de frutos que nunca falhou, segundo me garantiu. Evidentemente quis conhecer a tal simpatia que, para minha decepção, soube de imediato que jamais conseguiria tal façanha.
–É simples – disse ela. –Você manda uma moça, mas tem que ser moça, dar um abraço bem carinhoso no abacateiro.
Até aí sem problemas, pensei.
–Só que a moça precisa ser virgem! – acrescentou.
Pronto! Foi por água abaixo qualquer possibilidade de eu me tornar um bem sucedido produtor de abacates.
Essa Dona Juraci só me surpreende...

(Deni Píàia)

Conto espelhado

- Menção Honrosa no Concurso Literário “Palavras da Primavera” – Rio das Ostras-RJ, 2010.
- 6° lugar no XIV Concurso de Contos Alípio Mendes, realizado pelo Ateneu Angrense de Letras e Artes - Angra dos Reis-RJ, 2011.
- Menção Honrosa no VI Concurso Contos do Tijuco Preto Jair Humberto Rosa, de Ituiutaba-MG, 2012. 

Do outro lado da vidraça / lado A

Entrelaçando-se à árvore nua o vento uivou um tom acima do habitual. Trouxe com ele folhas secas, sensações molhadas, lembranças amargas. Do outro lado da vidraça a mulher, cúmplice, com seu coração seco, face molhada, um gosto amargo na boca que ansiava por outra boca. Via na árvore seus próprios braços a se agitarem em desespero, o desespero dos abandonados, tentando se agarrar ao rastro que ficou. Nem viu o tempo passar convidando-a para seguir com ele. Preferiu o conforto da autopiedade ao incômodo da verdade.
Do lado de fora, bem próximos à arvore, dois olhos mergulhados em arrependimento esperavam ser notados. Absorvidos pelo medo do regresso, pela incerteza do acolhimento, aguardavam que a fantasia do reencontro se realizasse por si só. O medo... Sempre o medo. E ninguém notou que tudo estava do outro lado da vidraça.
O vento fechou a janela para, em seguida, abrandar. Cada um voltou ao seu mundo e, tristemente, tudo virou rotina outra vez.


Do outro lado da vidraça / lado B
Uma árvore nua colocava-se entre ele e a janela atrapalhando a visão. E para piorar, o vento barulhento que enchia a atmosfera de poeira, folhas secas e pingos de uma chuva que prometia não desabar. Muito pior, porém, era o nó na garganta, a boca seca, os olhos encharcados que procuravam a visão tão esperada de alguém do outro lado da vidraça. Pensou no tempo passado que, certamente, já teria apagado seu rastro deixado quando foi embora, quando preferiu seguir em frente, buscar algo que nunca soube o que era, não se dando conta da besteira que fazia. Agora só o medo da volta, da rejeição.
Lá dentro um rosto quase colado à vidraça, dois piedosos olhos inundados de arrependimento por nada terem feito, aguardando por um retorno que parecia tão distante. Quanto sentimento guardado! Mas o tempo atrapalhou tudo e eles não se notaram.
O vento fechou a janela para, em seguida, abrandar. Cada um voltou ao seu mundo e, tristemente, tudo virou rotina outra vez.


(Deni Píàia)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quero envelhecer

Selecionado entre os 50 melhores no 13º Concurso de Poesia da Biblioteca Popular de Afogados, 2011.

É difícil sentir-se velho quem hoje vive
A mídia não deixa
Na vitrine que o tempo expõe
Você faz parte da engrenagem
E ela não pode parar
Coragem!
É preciso estar jovem para consumir
Para votar
Para concordar
É preciso se comportar como manda a etiqueta
Que hoje obriga a ser um velho jovem
Porreta!
Queria tocar um blues com meu filho
E sentir-me velho
Queria fazer a segunda voz num coral em família
Para sentir-me pai
Queria falar de poesia com minha filha
E sentir-me útil
Queria falar da vida com minha mulher
Sem ser cobrado, como não o são os velhos
Queria tantas coisas que não posso...
Porque não envelheço
Serei eterno? E terno?
Queria não ter datas e horas
Como os velhos
Não ter que me lembrar de aniversários, recados e ofensas
Como os velhos
Poder me vestir confortavelmente
Alimentar-me na hora da fome
Jogar dama e conversa fora com os amigos
Muito mais do que tenho feito

(Deni Píàia)

É preciso

p
É preciso dar ouvido aos loucos
tortos
quase mortos

É preciso dar voz aos que são poucos
excluídos
deprimidos

É preciso dar visão aos despreparados
ignorantes
meliantes

É preciso dar espaço aos arrojados
corajosos
calorosos

É preciso dar crédito aos sonhadores
idealistas
anarquistas

É preciso dar o que merecem aos opressores
malditos
esquisitos


(Deni Píàia)

Casa d'avó

 2º lugar no Concurso Literário da Academia de Letras de Nova Trento-SC, categoria Poesia, 2012.

Lembro-me da velha casa
Nela morava minha avó
Chão de tijolo
Fogão de lenha
Cheiro de feijão e de aconchego
Telhas enegrecidas
Medo de fantasmas
No canto da sala o oratório
E diante dele todos diziam amém

Hoje uma nova casa
Nela não está minha avó
Piso de vidro
Design interior
Cheiro de pinus, frio de floresta
Tudo tão só
Medo da solidão
No lugar do oratório a TV de plasma
E diante dela todos dizem amém


(Deni Píàia)
O

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Estou ficando velho

Sou mais velho que minha rua
Mais jovem que a velha lua
Tenho a idade da razão
Do faminto rock’n roll
Da descarada televisão
Sou do tempo da ditadura
Do velho estado novo
Da dentadura
Respirei os ares da mudança
Aspirei os perfumes da esperança
Cresci
Hoje sou mais velho que meus amigos
Trago histórias para contar
Poucos vão acreditar
Mas não importa
Vivi os anos que mudaram o mundo
Mas não o homem
Que foi à lua
Que saiu à rua
Que deixou nua
A mulher que lhe deu a mão
Assisti “O direito de nascer”
Mas não consegui ver
Os direitos iguais para todos os homens
Vi mais do que precisava
Menos do que queria
Penso que poucos verão
Tanto quanto vi num só dia
Acho que estou ficando velho


(Deni Píàia)

Poderosa maga

Sem varinha de condão
Pozinho de pirlimpimpim
Ou bola de cristal
Apenas uma poderosa maga
Que traz nos olhos os poderes de mulher
E eu, que não sou mago nem nada
Embriago-me nos seus doces poderes
Como doces são seus gestos
Surpreendo-me com seus nervos de aço
Que suportam o peso do mundo que não lhe deu mole
Sua magia mais do que espanta
Me encanta
Desbanca
Sem se importar com o que vão dizer
Apenas uma poderosa maga
Com todos os feitiços de mulher
De-me sua força
Ou me empresta


(Deni Píàia)

Não aguento mais

oo
A complexidade dos simples;
A perplexidade dos sabe-tudos;
A arrogância dos imbecis;
A ética dos incoerentes;
Super herói com tendência gay;
A estética da miséria;
A humildade dos complexados;
A vulgaridade dos ricos;
O sou-assim-mas-sou-feliz dos pobres;
O cabelo engomado dos filhinhos da mamãe;
O desleixo estético dos artistas;
Gente cantando para fingir que está feliz;
O espanto ensaiado dos incrédulos;
A falsa descrença dos ateus;
O paraíso perdido dos católicos;
O inferno iminente dos evangélicos;
A rima desconexa do poeta;
A poesia bélica dos lideres;
Gente que fala alto;
O mundo-gente imposto ao cão;
A simetria das bocas entreabertas;
A ridicularidade dos BBBs;
A mediocridade dos reality-shows;
Sertanejo universitário analfabeto;
Pagodeiro que nem sabe sambar;
Egocêntricos;
O escárnio dos políticos;
O vamos-investigar da policia;
O “mmm...” no fim das frases do Silvio Santos;
A musiquinha do Fantástico;
A babaquice dos emos;
A moda de se dizer gay;
Riso forçado para ironizar;
Crianças adulteradas pelos pais;
Pais roubando a infância dos filhos;
Os pare-com-isso dos ex-fumantes;
Os conselhos vejam-como-sou-legal;
Os atletas de fim de semana;
Os faça-como-eu-faço;
Os meu-sofrimento-é-maior-que-o-seu;
O carro novo que cheira status;
O tênis importado eu-tenho-você-não-tem;
O lavo-minhas-mãos dos pais;
Os deixa-que-te-ajudo (e te manipulo);
Os engraçadinhos olha-o-que-mamãe-me-ensinou;
Discurso de artista em campanha de solidariedade;
As verdades que não levam a nada;
As mentiras que levam a tudo;
Que saco!


(Deni Píàia)