quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Dona Juraci (será esse o nome dela?)


Os remédios de Dona Juraci

2º lugar no  8ºConcurso Literário de Contos, Crônicas e Pesias da Biblioteca Municipal "Paula Rached", de Pederneiras-SP, 2012.


Foi há algum tempo e, se não me engano, o nome da senhora é Dona Juraci. Foi quando eu entregava produtos ditos naturais que comercializávamos pelo sistema de telemarketing. Mas isso não importa. O que vale registrar é que na primeira vez que fui à casa de Dona Juraci entregar sua encomenda (não me lembro qual era o problema dela, se é que não tinha algum) travamos um agradável bate-papo. Contou-me de sua origem humilde, de suas doenças, de suas consultas, dos médicos desatentos e dos remédios que tomava e que nada resolviam. Para provar – pessoas de idade sempre querem provar o que dizem – fez questão de me mostrar os medicamentos que utilizava.
A casa de Dona Juraci ficava nos fundos de um grande terreno que abrigava um vigoroso pomar, com dois abacateiros que se destacavam. Insisti que não precisava mostrar, mas ela fez questão. Era tão atenciosa e humilde que concordei, por fim, em ver sua farmácia. Enquanto eu esperava no portão fechado, lá se foi ela atravessando o imenso terreno rumo à casinha nos fundos, pé a pé, vagarosamente, como permitia sua precária saúde. Não me esqueço do som de seus chinelinhos se arrastando pelo chão de terra batida.
Pouco depois de desaparecer dentro da casa, retorna ela com quatro enormes sacolas plásticas, daquelas de supermercado, abarrotadas com misterioso conteúdo, de forma que mal podia carrega-las. Fiquei morrendo de remorso ao ver seu esforço, andando como um robô, e recusei-me a acreditar que tudo aquilo seria remédio. Da mesma forma que foi, veio. Pé a pé, bem devagarzinho, arrastando os chinelos, até chegar em minha frente e, completamente exausta e suada, depositar, quase largando, as quatro sacolas no chão. Acompanhada de um profundo e sofrido suspiro veio a revelação que quase me fez mijar de tanto rir:
– Uffff... Só consegui trazer metade.
Ela falava sério.


Os abacates de Dona Juraci

Vocês já conheceram Dona Juraci. Será que era esse mesmo o nome dela? Gostaria de ter uma memória mais aguçada, como a do meu amigo Flodoardo. Qualquer dia conto dele. Mas lá fui eu levar uma nova entrega de produtos ditos naturais para ela. Já contei que ela mora na periferia de Sumaré? Como velhos amigos, fui recebido de forma mais despojada. Era impossível simplesmente fazer a entrega e me retirar, porque os assuntos para Dona Juraci nunca terminavam. Ela é daquelas que vão emendando um tema ao outro até formar uma grade e colorida colcha de retalhos temáticos. Mas ao entregar os produtos chamou-me a atenção a forma como ela levou-os para dentro de casa, andando com agilidade, esperta, sem arrastar os mesmos chinelinhos da vez anterior. Fiquei satisfeito ao ver que os produtos lhe fizeram bem. Ou se foram as oito sacolas de remédios, nunca soube.
Pouco depois Dona Juraci retorna com duas sacolas, mas desta vez com um conteúdo muito mais interessante: abacates. E eram de presentes para mim! Afinal os abacateiros estavam esbanjando frutos, enormes, lindos, carnudos e saborosos, conforme confirmei mais tarde. Vai daí nossa conversa derivou para os abacateiros e sua bondade natural em agraciar o ser humano com tantos frutos maravilhosos.
–Ah, mas isso tem uma explicação! – esclareceu Dona Juraci, referindo-se a uma simpatia para o abacateiro carregar de frutos que nunca falhou, segundo me garantiu. Evidentemente quis conhecer a tal simpatia que, para minha decepção, soube de imediato que jamais conseguiria tal façanha.
–É simples – disse ela. –Você manda uma moça, mas tem que ser moça, dar um abraço bem carinhoso no abacateiro.
Até aí sem problemas, pensei.
–Só que a moça precisa ser virgem! – acrescentou.
Pronto! Foi por água abaixo qualquer possibilidade de eu me tornar um bem sucedido produtor de abacates.
Essa Dona Juraci só me surpreende...

(Deni Píàia)

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