sábado, 26 de dezembro de 2009

É doce dizer não

Fui educado a baixar a cabeça e dizer "sim senhor".
E assim passei pela infância, adolescência e razão,
assistindo, distante, andares apressados,
surpreso com tantos olhares assustados,
mil questões não respondidas.
Para onde foram todos eles?
Será que chegaram?
Fui educado a baixar a cabeça e dizer "sim senhor".
Sorrir quando a vontade era chorar,
chorar para não gargalhar.
Pedir a benção da tia, limpar os pés ao entrar,
obrigado e dá licença nem precisava lembrar.
Para onde foram todos?
Fui educado a baixar a cabeça e dizer "sim senhor".
Todos estavam certos, menos eu,
a todos precisava agradar, menos a mim.
Tinha que ser assim?
Fui convencido de que eu não era importante, não era nada.
Para onde foram?
Fui educado a baixar a cabeça e dizer "sim senhor".
E assim haveria de ser para ser alguém,
alguém sem ninguém, sem vintém, que não vai além.
Simplesmente mais um.
Fui educado a baixar a cabeça.
Enfim, era o correto na visão dos antigos!
Ah, se não fossem os amigos...
E só agora que chego ao fim da razão
acabo descobrindo o quão doce é dizer não.

(Piaia)

O sábio e o louco

O louco só ria
Sorria
Maroto

O sábio, com cara de sério
Importante
Olhava de esgueiro e tentava se impor
Impotente

O louco, só, ria
Sorria
Maroto

O sábio sabia que o sabiá sabia assoviar
Mas não sabia que o louco não tinha loucura
Tinha fartura
Feliz que ele era

O louco maroto
Só ria
Sorria

Só,
Ria o louco
Trabalho integrante da antologia “Escritos nas Estrelas” (1993), da Litteris Editora/RJ
.
(Deni Píàia)

No carro

A estrada passa, a ponte passa, a árvore passa.
Tudo corre contra, tudo passa.
O carro faz pouco barulho,
mais o vento na janela.
Vem pedágio e passa,
outra ponte passa,
passarela passa.
Tudo, quase tudo passa.
Porque não passa essa dor?
Queria entrar no carro e também passar.
Pela dor, pelas mágoas, fracassos e paixões.
Simplesmente passar para não chegar a lugar algum.
Passar em branco. Psssssss...

(Piaia)

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Vazio

Já me encontrei
nas portas fechadas
e o teu sonho transformou
fechou-me a luz.
Os tempos mudaram
o que eu quero sou eu.

Você lutou,
achou seu caminho
perdeu a paz
Ah, vai ser assim.
Os tempos mudaram
o que eu quero sou eu.
Estou vazio.

(Piaia)

Queda livre

Em gotas de cinza eu fiz meu altar
Nas bases do vento que vinha do sul
Soprei o segredo
E o céu me expõe nas margens do inferno
Cair é um fato, levantar uma arte
A vida me fez um leigo no ser
(e você apenas ri)
Quem está certo: você
Ou a dama que trapaceia com o valete?
O crime do rei foi abolido
E todo o reinado vibrou
Os súditos negaram
O que posso fazer?
(você apenas ri)
As paredes do meu quarto me sufocam
A porta está fechada, assim como sua mente
E tudo não passa de uma simples revolução
Dentro de quatro paredes
A voz do nada falou mais alta
E o trote da dor amainou com o vento
A tempestade caiu soberba
A chuva molhou minha alma
E tudo mofou com o tempo
O sangue correu, a paz se fechou
E eu me perdi por labirintos de aparelhos
Ergui a cabeça e avistei o sol
Era tarde

Trabalho integrante da antologia “Literatura de Vanguarda” (1993) da Litteris Editora/RJ.

(Piaia)

Criança insistente

Criança insistente!
Insegura, joga pedra
Desconhece toda regra
Inconsequente.
Criança insistente!
Teimosia em pessoa
Bate o pé por coisa à toa
Desobediente.
Criança insistente!
Inquieta, serelepe
Pensamentos de moleque
Sempre ausente.
Criança insistente!
Faz sorrir enquanto chora
Num olhar que se demora
Incoerente.

Você conhece essa criança que me habita
Que estrelas ainda conta
Que para tudo está pronta
Mas que, cheia de temores, grita.

Você conhece essa criança tão carente
Que os pássaros alimenta
Que mil sonhos acalenta
Mas que, mesmo a contragosto, mente.

Você conhece essa criança que, só, corre
Que se passa por adulto
Que engole o insulto
Que por força da razão aos poucos morre.

Trabalho integrante da antologia “Poesias 1994” da Litteris Editora/RJ.

(Piaia)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Sem graça

Sem você não tem graça.
É como quintal sem criança,
jardim sem sussurros,
futuro sem esperança,
canção que não rima.
É como janela que dá pra parede,
mar sem barquinho de vela branca,
horizonte sem montanha,
vento que não levanta saia,
estradinha pra lugar nenhum.
É guardar a alegria sem ter com quem dividi-la.

(Piaia)

Primavera

Muito mais do que flores
A primavera faz brotar os sonhos
Em quem soube semear canções
Nos ventos gelados do inverno

Muito mais do que cores
A primavera faz brotar o perdão
Em quem soube plantar compreensão
Nos caminhos que levam ao inferno.

Mais, muito mais do que amores
A primavera faz brotar a alegria
Em quem sabe viver cada dia
Mantendo o seu coração terno

(Piaia)

Você pode!

Você pode correr, mas nunca vai chegar.
Pode olhar, mas nunca vai ver.
Você pode falar, mas não será ouvido.
Você pode tudo.

Você pode gritar, mas ninguém vai se incomodar.
Pode ordenar, mas ninguém vai obedecer.
Você pode se impor, mas nada vai mudar.
Você pode tudo, mas isso não quer dizer nada.

Você pode amar, mas não será amado.
Pode chorar, mas não terá consolo.
Pode se gabar do tudo que comprou
Você nunca vai passar de um grande tolo.

(Piaia)

No consultório

Cheguei cedo
Reli uma Veja de um ano atrás
Ela me persegue por todos os consultórios
O tic-tac faz companhia
Agradável e sonolento
Ao longe uma campainha soa
Telefone toca suave
Nada parece se mover numa letargia que nos abate
A mim e à recepcionista
Estado transitório entre a razão e o sono
Queria que durasse o dia todo essa calma
Hmmmm...

(Piaia)

Sem pressa

Imerso num mar de pequenas luzes vermelhas.
Aparente calma, ansiedade à flor da pele.
Todos pensando o mesmo ao mesmo tempo.
Não tenho pressa de chegar, pois ninguém me espera.
De repente uma única luz verde.
E as pequenas luzes vermelhas se movimentam.
Juntas, compassadas, afastando-se lentamente umas das outras.
E então percebo que não formam um ser único.
Vou na correnteza.
Sem pressa de chegar.

(Piaia)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Engano

Março, 23.
Sol apático de outono.
O vento ensinou-me uma canção.
A tarde me lembrou que era tarde.
Noite clara trouxe saudades.
E a lua me fez lembrar sua cara.
Alguém me chamou pelo nome.
Que saco voltar ao mundo...
Alguém me chamou por engano.
Ta... Ta desculpado

(Piaia)

Fim de jogo

Rafael está viajando.
Defronte ao computador, o mundo obedece aos gordos dedos.
Não me agüento de rir.
Ele faz cara de sério.
Dá a impressão que está trabalhando.
Tudo mentira.
Ouso trazê-lo de volta e a resposta vem vibrante:
“Check mate!”
Comeu a rainha.
No bom sentido, claro.

(Piaia)

Penso que...

..se Grahan Bell soubesse que um dia inventariam o "sexo por telefone" e outros "serviços" tão ridículos quanto, não teria inventado esse aparelho -o telefone- em 1.876.
...o inglês Edward Butter provavelmente não teve filhos. Se os tivesse, com certeza não teria inventado a motocicleta em 1885.
...se o italiano Guglielmo Marconi ouvisse uma programação radiofônica como se faz hoje, não teria inventado o rádio em 1895.
...o americano Hamilton E. Smith levou mesmo a sério aquela história de que "roupa suja se lava em casa". Tanto que inventou a máquina de lavar roupas em 1858.
...o alemão Karl D. Von Sauerbronn era um cara muito equilibrado. Caso contrário não teria inventado a bicicleta em 1816.

(Piaia)

Parabéns!

O relógio só marca as horas.
O tempo, quem faz é você.
As pessoas ficaram tão dependentes do relógio que poucas perderão 5 segundos para ler esta frase.
Parabéns! Você conseguiu!

Estranho mundo

O que peço não é muito.
Queria apenas chegar em casa tropeçando em sorrisos
Pisar desatento nos sentimentos menores
Nem perceber a geladeira vazia
Mas sentir a casa cheia de nossa pequena família
Sentir em todos um perfume de alegria.
Dispenso pompas na recepção
Basta o cachorro a me lamber a mão.
O que peço é tão pouco...
Só um olhar de quem me compreende
Até palavras são desnecessárias
Um "oi" apenas é suficiente
Só queria ver que alguém está contente
Porque cheguei junto com o fim do dia.
Peço quase nada
Não faço conta do jantar humilde
Até prefiro o silêncio sincero
Andar descalço do quarto à cozinha
Sentir-me em casa é tudo o que quero.
Num banho quente lavaria as mágoas
Porque, afinal, estou em nossa casa
E dentro dela está minha família.
Chinelo velho, roupa bem folgada
Porque de aperto quero ficar longe
Queria apenas suspirar bem fundo
Com a certeza de que nossa casa
É, dentre todos, nosso melhor mundo.
Estranho mundo onde sou estranho.

(Piaia)

Ela, a vida

Na folha morta do livro não lido
Sem sentido
Na folha viva da relva pisada
Calada
Lá está a mensagem em ambas contida
A vida

Na palavra mansa do velho senil
Por um fio
Na resposta áspera do jovem viril
A mil
Eis a grande oportunidade perdida
A vida

No olhar inocente de tenra criança
Esperança
Na chegada sentida a longos passos
Mil abraços
Hei-la a cada instante renascida
A vida

Na cor do vestido em tom berrante
Insinuante
No teor do convite ao pé do ouvido
Atrevido
Ela, amante de ingênua travestida
A vida

No escrito não dito letra por letra
Na gaveta
No projeto ocioso que ficou guardado
Empoeirado
Caminho finito, desculpa da sorte
A morte

Classificado entre os 50 melhores no 6o Concurso Poético do Cancioneiro, para todos os países de língua portuguesa, pela Universidade Instituto Piaget, em Almada, Portugal, integrando a antologia “Amo de Ti” – 2010.

(Piaia)

Novo amor de novo

Eu não quero um novo amor
eu quero seu amor de novo
poderia até rimar com dor
mas eu me sentiria um grande tolo

Para ter o seu amor de novo
Até daria tudo o que gosto
Tudo em troca desse novo amor
De novo

Leite condensado, abraço apertado
Melancia geladinha, churrasco com caipirinha
Férias numa praia, noite na gandaia
Cerveja bem gelada, brincar na enxurrada
Um bom filé com fritas, o papo com biritas
Beatles na vitrola, um bom jogo de bola
O velho rock and roll, marcar aquele gol
Pão com mortadela, jantar à luz de vela
Sombra no verão, um toco no patrão
Rever velhos amigos, reler livros antigos
Ver o sol nascer, brincar de me esconder
Banquinho e violão, um bom samba-canção
Sorvete na casquinha, brisa bem fresquinha
Disco de vinil, tudo mais que nunca se viu

(Piaia)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Tempo

Tempo que corre e não pára
É um santo remédio e o pior inimigo
Tempo que meus males sara
Cicatriza feridas, faça isso comigo.

Tempo que cura as mágoas
Os mal-entendidos, as decepções
Tempo que rola nas águas
Nos ventos também leva desilusões.

Tempo, que santo remédio
Está sempre passando, com pressa, voando
Leve contigo o meu tédio
Da falta de alguém que fiquei esperando.

Mas tempo, pra quê tanta pressa?
A vida também vai me levando embora
Um dia, quando eu sair dessa
Você já passou e chegou minha hora.

Tempo que vai, nunca fica
É um santo remédio, o pior inimigo
Não sei o que faço, me diga
Se fico e espero ou se vou contigo.

Chuva

Num instante o sol se fecha
Some o sol do meu olhar
Vem o vento, vem a pressa
Todos querem proteção, não se molhar.

Lá das nuvens vem a água
Saciar, da terra, a sede
Traz com ela tanta mágoa
Dessa gente apressada, comprimida na parede.

Chuva
Que mágico poder de aproximar
Pessoas diferentes, contentes, descontentes
Sob uma mesma marquise.
Chuva
Que mágico poder de igualar
Pretos, brancos, ricos, pobres, agora tão iguais
Porque todos, tão molhados, só têm pressa de chegar.

Chuva que traz o transtorno
Também traz a alegria
Pois quem planta quer retorno
Da semente germinar a qualquer dia.

E sob aquela marquise
Sem sentir, sem se notarem
Dois olhares, num deslize
Acabaram se cruzando para um dia se juntarem.

(Piaia)

Meus ideais

  • Menção Honrosa no Concurso Nacional “Natureza em Prosa & Verso” – Varginha MG, 2009.
  • 8o lugar no XVI Festival Sertanejo de Poesia – Prêmio Augusto dos Anjos – Aparecida/PB, 2010

Faz tanto tempo que até perdi a conta
E hoje canto esse lamento
Cada vez que o sol desponta.
Quando parti lá do campo onde vivia
Logo cedo já senti
A besteira que fazia.

Nesta cidade onde o vento não diz nada
Só me traz muita saudade
Do vento que lá cantava.
Na contra-mão hoje ando pelo asfalto
Relembrando o estradão
E a poeira lá no alto.

Do ribeirão que o murmúrio me embalava
Só ficou sua canção
Na lembrança desbotada.
E a melodia que cantava a passarada
Logo no romper do dia
Deu lugar à buzinada.

Eu me arrependo de deixar tantos amigos
De trocar aquela vida
Sentimentos tão reais.
Hoje procuro com os meus passos perdidos
Coisas que já nem me lembro
Eram os meus ideais.


(Deni Píàia)

Palavras contidas

PASSA
PASSARINHO
PASSA
PASSARI
PASSARINHO
PASSARI
PASSARINHO
PASSARINHO



AMA
A
AMANHÃ
AMANHECE

AMANTE
A
AMANHÃ
AMANHÃ
AMADURECE

AMANTE
AMA
AMANTE
A
AMANHÃ
AMANHECE

(Piaia)

Voltei

Abraço
Que passo tão longo
Desfaço na mala o nó da garganta
Lavo do rosto o resto de orgulho
Levo de resto seu rosto
E me orgulho


(Piaia)

Pensei

Já pensei e decidi
Que vou lhe afogar no aquário
Decapitar sua alma
Descolorir sua aura
Vou lhe rogar uma praga
Tirar a marca do livro
Roubar dos seus olhos o brilho

Já pensei e decidi
Que vou lhe marcar um gol contra
Trocar seu verão por inverno
Fazer do seu dia um inferno
Vou impedir suas férias
Murchar os quatro pneus
Tomar de volta o que é meu

Eu te quero e te odeio
Tanto que nem sei
Eu te quero e te odeio
Muito mais do que pensei

Classificado entre os 10 primeiros no VIII Concurso Municipal de Poesias “Tereza Maria Valques Carvalho de Faria”, de Poços de Caldas-MG, com 153 trabalhos concorrentes – 2009.

(Piaia)

Psssss...

Falo através do silêncio
Porque não aprendi a inventar palavras
Porque o silêncio é absoluto, é senhor.

Falo através do silêncio
Porque a verdade se veste de paz
Porque a palavra pode ser labirinto
Para expressar a amplidão do que sinto.

Falo através do silêncio
Na esperança de que você me entenda
Porque jamais consegui lhe dizer tudo.

Eu falo através do silêncio
Para não perder a oportunidade de lhe ouvir
Porque você me ensinou a entender a ausência das palavras

(Piaia)

Universo inverso

De bicão entrei nesse universo
Meio besta, sem saber o que fazer
Conheci o Mané, o João e o Nérso
Desde então minha vida foi beber

De bicão entrei numa de unir versos
Poesias que eu fazia pra você
Coisas bregas que falavam no inverso
Nem eu mesmo conseguia entender.

Universos

Uni versos em poesias que se perderam
Gritei palavras que se infiltraram nas paredes
Busquei estrelas que se apagaram ao toca-las
Cantei canções que se abafaram nos lamentos

Uni versos em poesias que você não leu
Gritei palavras que você nem mesmo entendeu
Busquei estrelas que, no fim, você não quis
Cantei canções só pra você, que eu mesmo fiz

Você é muito burra, ta louco!...

(Piaia)

Terno de casamento

Eterno terno
Eternizou terno momento
Não envelhece
Não se envaidece, não esquece
Terno momento

Sem mais nem menos

Sem mais nem menos
Foi chegando como quem fosse ninguém
Não fez alarde
Trouxe apenas a preguiça de uma tarde
Olhar viril
De quem, por tudo, já fez tudo e tudo viu

Sem mais nem menos
Fez morada em meu caminho, em meu carinho
Pouco falou
Um só olhar me ascendeu, me iluminou
Beijo de céu
Calor do sol, frescor do mar, corpo de mel

Sem mais nem menos
Foi chegando, fez morada sem alarde
Sem mais nem menos
Pensei fugir, mas a preguiça dessa tarde...

(Piaia - 11/3/93)

Domingo de bossa

Eu quando me lembro
Eu entro na fossa
Aquele domingo,
Um domingo de bossa

Pic-nic na praia
Sua mãe ao meu lado
Comendo farofa
Franguinho assado

Cerveja tão quente
Salsicha empanada
Todos tão contentes
E você menstruada

Chinelo de dedo esfolando meu pé
Na areia tão quente, vovó de boné
Radinho de pilha, bola de capotão
Domingo de bossa, lá em Cubatão

Varizes ao vento
Celulites também
Titia garbosa
Amamentando o neném

Estias em desfile
Festival de bom gosto
Você espremendo
Espinhas no rosto

Um ovo cozido, porções de batatinha
Caipirinha da boa, torta de sardinha
Com meu calção novo abafei pra xuxú
Brotinhos passavam, me chamavam “biju”

Castelinhos na areia
Que alegria era a nossa
Na fossa eu me lembro
Daquele domingo
Um domingo de bossa

Filha deputada

Nasceu pobre na favela
Mas mamãe cuidava dela
E à noite “trabalhava”
O papai tão esforçado
E à noite era um tarado
Até ela estuprava

E assim ela cresceu
Tantas coisas aprendeu
Virou moça safadinha
Com o poder ela sonhou
Foi à luta, se enfeitou
E caiu na tal vidinha

Resolveu um dia ser
Deputada e enriquecer
E lançou candidatura
Foi pra cama, ganhou grana
Com a grana ela comprou
Tantos votos que sobrou

E hoje ela é
Uma filha deputada
Batalhou e foi eleita
Ganha bem, com todos deita
É uma filha deputada

Todos querem só saber
O que fez ela pra vencer
E se tornar tão respeitada
Mas a imprensa, todavia
Nem de longe desconfia
Que é uma filha deputada


(Piaia)

O dono da verdade

Não tinha onde cair morto
Até que uma mão se estendeu
Em meio à tormenta, um porto
De braços abertos o acolheu
Subiu qual foguete da Nasa
Passou a ver tudo de cima
Mas não aprendeu quase nada
Poeta sem causa e sem rima

Comprou a verdade do mundo
Tornou-se dono da razão
Esqueceu que veio do fundo
E que não tem gaveta o caixão
Sonhava um dia ser nome
De praça, de rua e avenida
Mas soube pelo telefone
Que não tinha preço pra vida

Doutores do mundo chegaram
Tentando salva-lo em vão
E tantos por ele choraram
Antes da comemoração
Levou sua fala tão séria
Deixou tudo o que lhe valeu
A mão que o tirou da miséria
Acenou-lhe o último Adeus

O dono do mundo partiu
Deixou sua verdade e a razão
Ninguém nunca soube e nem viu
Aquele que lhe deu a mão
Seu sonho foi realizado
Virou uma estátua na praça
Poleiro de pombos, gelado
Estorvo a quem por lá passa

(Piaia)

As ovelhinhas e os Mutantes

Era ainda um molecão
Que sonhava feito bôbo
Planos mil, nenhuma ação
Me sentindo quase um lobo
Que sarro... que sarro
As ovelhinhas já não são como antes
Comportadinhas, esperando
Eu delirando com o som dos Mutantes

Elas lá e eu aqui
Ligadão, metido em frias
Só curtindo Rita Lee
O Arnaldo e o Sérgio Dias
Que sarro... que sarro
As ovelhinhas já não são como antes
Comportadinhas, esperando
Eu delirando com o som dos Mutantes

Ovelhinhas engordaram
O tempo não teve nem dó
Foi passando, elas ficaram
Hoje todas são vovós
Que sarro... que sarro
As ovelhinhas já não são como antes
Envelheceram, não viveram
Se danaram, não curtiram Mutantes

(Piaia - 28/8/92)

Nossos deuses

Onde estão os nossos deuses?
Já morreram, se perderam ou venderam suas cabeças?
Onde estão os nossos deuses?
Estão carecas, são caretas, ou viraram-se às avessas?

The dream is over, it`s now or never
The evil way is a starway to heaven
I can get no, satisfaction
You say you wanna a revolution

Onde estão os nossos deuses?
Já morreram, se perderam ou venderam suas cabeças?
Onde estão os nossos deuses?
Estão carecas, são caretas, ou viraram-se às avessas?

Sentado à beira do caminho, sem lenço, sem documento
Quero que vá tudo pro inferno, que esperar não é saber
Chove chuva, chove sem parar; é preciso estar atento
Dizem que sou louco, mas amanhã há de ser.

Onde estão os nossos deuses?
Já morreram, se perderam ou venderam suas cabeças?
Onde estão os nossos deuses?
Estão carecas, são caretas, ou viraram-se às avessas?

(Piaia)

Caos

Do reencontro, a indiferença

A palavra inútil não ecoa nas barreiras que ficam
Lúcido, translúcido, são
É por pouco tempo e tudo se transforma
Caos
Sem cair, contudo
A esperança fria
Eu?
Não há tempo a perder
É impossível não deixar algo para traz
Por isso sou, estou, preciso
E você, não entendendo nada
Acha tudo engraçado
E ri


(Piaia)

Encontro

Nas margens da manhã
Calei minha dor
E o hoje se abriu
Como você
Tão cheio de cores, certeza de nada
Cheguei a temer
Nas faces do vento depositei a certeza, esperança
Entreguei-me à luz
Refiz meu ser
Renasci, nascemos
Num só


(Piaia)

Quatro paredes

Eu me assumo
Em largas avenidas
Eu me resumo
Num gesto limitado
Eu me consumo
Deitado na rede
Dentro de quatro paredes

Eu me apego
Num quarto de ilusões
Penso e não quero
Suas contradições
Somente eu
Deitado na rede
Dentro de quatro paredes

Eu sei voar
No céu da tua boca
Vou decolar
Num grito de voz rouca
Vou me acabar
Deitado na rede
Dentro de quatro paredes

Hai Kais

Sol de laranja
Folhas de maple no chão
Árvore nua

Vento cantante
Melodia em lá menor
Um jazz encantou

Cores sorrindo
Mil abelhas zunindo
Nasce a rainha

Chuva atrapalha
Pintassilgos amantes
Flaf-flaf-flaf-flaf-flaf...

Alguém avisou
Formigas em procissão
Um doce no chão

Triste inverno
Aos olhos de quem ficou
Quem foi não volta

Ventinho frio
Janela bate solta
Espera em vão

Nuvem de chuva
Verão chegou molhado
Olhar vazio

Vento molhado
Sentimento calado
Paz no meu mundo

Sol de outono
Sonho de primavera
No céu de carmim