quinta-feira, 13 de junho de 2013

Ocaso


Contou as rugas da mão.
Pelo coração que bate fraquinho passa um Titanic.
É o ciclo da vida se completando.
Olhou para dentro de si e enxergou o sol se pondo.
Bem tranquilamente.

Sem pressa


A fresta na janela me avisou:
Um novo dia vem aí.
Mas hoje, sem pressa - respondi.
Escovar os dentes,
Comprimidos,
Coar café...
Sem pressa.
Um banho refrescante,
Planejar o dia
Sem pressa.
Vou buscar pães fresquinhos,
Dizer bom dia à mocinha do caixa,
Apreciar seu frescor...
Sem pressa.
Cumprimentar mendigos e o vizinho,
Os cães do caminho,
Olhar pro céu e prever o tempo...
Sem pressa.
Vou degustar minha laranja,
O doce contido do mamão,
Espantar as pombas do quintal,
Deslizar manteiga pelo pão...
Sem pressa.
O sol, já quente, vai entrando,
A brisa fresca vai saindo,
O dia vai virando dia...
Isso bem dá poesia!
Sem pressa.
E lá vou eu para o trabalho,
Melhor até tomar atalho
Depressa.

Vagabundamente


A noite chega sem alarde.
Bebe o segredo dos escondidos,
Mal vividos,
Dos que têm medo,
Como poesia inacabada,
O verso que falta quando o sol espia.

Queria sonhar que o sonho que povoa sua mente
É o mesmo sonho que sonho
E que hoje, ausente,
Sonhas vagabundamente.

Se conselho fosse bom...


Não mude de amigos quando ninguém lhe nota;
Torne-se mais amigo. A falta que você sente é a falta que você faz.

Não seja negativo com quem está feliz;
Seja mais elegante.

Não queira falar mais que os outros;
Aprenda a aprender.

Gratidão se perde na gaveta;
Não a guarde.

Não queira que as pessoas vivam de acordo com suas regras;
Isto é para os insuportáveis.

Não reclame de suas dores e indisposições;
Ninguém tem culpa por seus exageros.

Não espere que alguém lhe mande flores;
Plante-as.
A felicidade não bate na porta,
não vai muito longe,
está sempre tão perto...
Fique esperto!

Tentei


Tentei calar a canção que existe nela,
apagar o sol que nela brilha,
pregar as asas de sua janela,
destruir as pontes de sua ilha.

Pensei turvar o branco do seu sorriso,
poupar o mundo de sua alegria,
transformar sua garoa em granizo,
e nunca mais lhe fazer poesia.

Queria... ah, como eu queria
esquecer seu nome, suas datas, seu jeito,
Apagar do calendário aquele dia
arrancar suas marcas do meu peito

E como flecha lançada do arco
fui buscá-la em cada canto do cais,
para no casco do último barco
gravar seu nome para nunca mais.

Policiado


Mais que uma farda, carrega um fardo.
Veste o perigo, sai para o incerto.
Fique esperto! – diz a mulher sabichona.
Fique vivo – diz a mãe aflita.
Fique comigo – diz o filho choroso.
Fique – diz a consciência limpa.
Vá trabalhar – determina a vida suja.

A rua é praça de guerra,
A praça é rua de terra
Que lhe pede proteção.
Mas quem vai protegê-lo?
Honra e miséria nunca rimaram,
Mas bandido rima bem com perigo.
Vai como se fosse ele o alvo a esconder.
Nem pensa na volta, que é incerta,
Nem pensa na morte, quase certa.

Estatelado no chão, com a boca aberta,
Foi encontrado mais tarde
Em óbvia desvantagem.
Somente o bem-te-vi, sem alarde,
Prestou-lhe a última homenagem.

O que há de melhor


O casamento não me deu muitos filhos;
só os melhores.
A vida não me permitiu ter todas as mulheres;
somente a melhor.
Amigos também são poucos;
só os melhores.
Inimigos... nem sei se os tenho;
talvez os menos piores.
Não desejo muita coisa para essas pessoas que permeiam minha vida;
só o que há de melhor.
Não guardo na memória todos os fatos que vivi;
só os melhores.
Nem preciso percorrer todos os caminhos que se abrem aos meus olhos;
só os melhores.
Não, a vida não foi maravilhosa comigo;
somente decidi vivê-la de um jeito só meu:
apenas com o que há de melhor.

Espere, esperança


Espere, esperança.
Espere que ainda é cedo!
Não me deixe só,
tenho medo
que a noite dos rejeitados venha me engolir.

Espere.
Considere que sou novo nessa escola,
estou chegando de tão longe,
de onde a vida faz sentido,
onde os sonhos que tenho tido
cabem dentro da mão em concha.

Espere, esperança!
Eu era feliz e sempre soube,
mas tudo que sonhei não coube
naquele mundinho pequeno,
tão sereno...

Espere, esperança!
Imploro,
mas sei que a lição é fria.
A vida não tem poesia
quando se anda fitando o chão.
...Vá, esperança,
não me espere em vão.

Dia de compras


Hoje fui às compras. Não havia mais como ficar adiando. Logo de saída comprei um belo deputado. Aproveitei a promoção. Esses artigos andam com os preços lá embaixo ultimamente. Já foram de luxo, mas hoje não valem grande coisa. Pra ter uma ideia, pagando à vista ainda ganhei de brinde um vereador! Foi bom... Estava precisando mesmo de uns acertos em nível municipal. E olha que se comprasse dois deputados, viria no pacote também um fiscal! Mas não foi preciso. Só com o deputado e o vereador já preencho minhas necessidades. Se houver algum problema peço um fiscalzinho pelo sistema delivery. É baratinho.
Mas por muito pouco não perdi a cabeça. Sou meio consumista, sabe! Quase entrei no crediário e encomendei um senador daqueles bem graúdos. Estavam com um bom aspecto. Até que não pesaria tanto em 24 prestações sem juros e sem entrada! Mas não... Segurei o impulso. Acho que seria um pouco de exagero. Sei que se comprar um desses, no dia seguinte já estarei fazendo planos de ir além. E do jeito que o crédito está fácil ultimamente... Já pensou eu chegando em casa com um presidente debaixo do braço?! Não serviria pra muita coisa, a não ser pra desfilar pelas ruas e mostrar pros cunhados no final de semana.
Minha mulher, como sempre, ficou uma arara. Disse que só compro porcaria que, invariavelmente, acaba jogada pelos cantos. Pior que ela tem razão. Preciso mesmo dominar essa mania. Mas é difícil; não posso ver uma promoçãozinha! Está tudo muito barato! Não entendo como esse povo ingrato vive reclamando de barriga cheia, dizendo que tudo está caro e difícil!
Agora vou desembrulhar os pacotes.

(Píàia)