segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Mundinho

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Seu mundinho é muito pequeno
Nele não há espaço para mim
Presépios enlatados não mais me corrompem
Você gosta de ser enganado

Não me convide para o seu mundo
Meus sonhos são maiores que ele
Minha fome pode engoli-lo
Tudo, nele, é vazio e as cores são falsas
Não há espaço para os simples

Quero distancia desse seu mundo que
Não é maior que sua visão
É do tamanho de sua visão
Rasa e rança.


Deni Píàia

Quem inventou o Brasil?


Ninguém inventou o Brasil,
Ele se fez por si.
Nasceu na porrada, na sarjeta,
Esteve esquecido na gaveta,
Mas veio à luz como é

Na Roda Viva do Chico,
Com Todos os Olhos do Tom Zé
E teve Vandré,
Num Domingo no Parque do Gil.

Sei que você viu,
Foram anos Mutantes
Incomodantes assim
Com Milton, Caçador de Mim.

E veio, então, novo dia
No tom de Jobim
Com Caetano e sua Alegria, Alegria,
Vinicius, banquinho e Toquinho,
Novos Baianos sem velhos conceitos,
Trazendo novos trejeitos.

O Brasil tem um pouco de todos
Um pouco de tudo
Um pouco de nós.


Deni Píàia

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

.........................................................Pensamentos

I

Amar não é ter somente para mim,
Mas ter até o fim,
Mesmo que o fim não seja assim,
Como eu gostaria.
A exclusividade leva à solidão.

II

Criança cuja infância foi roubada
Torna-se adulta infantilizada,
Palhaço entristecido,
Arco-íris poluído.

III

Certas palavras ficam melhores no papel.
Ganham vida, não se diluem,
Eternizam-se no céu e
Por isso escrevo.

IV

Saudade não se define.
É o egoísmo que se disfarça
Ainda que na poesia me fascine.
Não passa de comparsa
Da possessividade.

V

Iludido, quis definir a poesia
Como criança a segurar o vento.
Desavergonhada orgia de sentimentos

VI

Entre o bem e o mal
Fico em dúvida com qual
O bem que gosto tem?
Nem posso dizer que é amargo o que não tem gosto
O mal, um ponto de vista que, deste posto,
Não coincide com o meu

VII

Tem coisas que a gente tenta escrever,
Mas não consegue.
Tenta falar,
Mas não o faz.
Tenta enxergar,
Mas não quer ver.

VIII

Tem coisas que a gente quer entender
Sem antes saber.
Tenta explicar
Sem saber começar.
Insiste em manter
E nem quer saber como vai terminar.

Deni Píàia

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Foi assim

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Com meu coração minguante,
Cercado de ecos,
Aparei as hostis arestas de sua rebeldia planejada.

Num vento estranho com sabor de passado
Senti seu débil perfume de coxas,
Beliscão de moça-menina.

Em meio aos seus escombros
Colhendo o orvalho fresco
Notei um quê de insanidade
Triste como jardim de hospital.

Em meio ao rendilhado de ramas,
Flores de cemitério,
Uma velha brisa soprou luzes pacíficas,
Frescor de arco-íris.


Deni Píàia

De Mozart à vuvuzela

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Silenciada a vuvuzela
Roubo do teu silêncio a dor
E um trovão de primavera
Faz-se arauto de amor
Numa rima óbvia e intragável

Neste resto de inverno que me resta
Vou visitar a estrela mais próxima
Esperar que, em festa, se abra uma fresta
Para ouvir Mozart e Beethoven

Assim espero
Que ninguém é de ferro
Sanidade, uma quimera
Mozart salva
Beethoven recupera

 
Deni Píàia

Do amar

 o
Do amar vem o amar.go
Mas também vem o amigo
E com ele o amar.elo do sol
Amar.melada doce
Amar.telada no dedo
Ah.mar.tirio do medo...

Do amar vem
Amar.cela para o chá
Amar.garina do pão
Amar.mita do peão
Amar.ca nova de carro

A.Mar.te eu irei, se
Amar-te é minha sina

Deni Píàia

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Um segredo

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Sei que estão todos ocupados
Sem tempo para ouvir meus sonhos,
Mas confiança ou sem fiança
Vou fiando esse caminho,
Tecendo a minha teia,
Costurando em minha veia
Impressões que não convencem.
O nada me apavora,
O tudo me apavora,
A imensidão me apavora,
A rejeição me apavora,
A sirene na noite me apavora,
A eficiência do mau me apavora,
O silêncio do bom me apavora.
Ora! E quem se preocupa com isso?
Estão todos pré.ocupados.
Alguém sempre sai machucado
Quando existe um vencedor.
O orgulho estampa a cara do afortunado
Difícil engolir essa dor.
O que você mais teme vai enfrentar um dia.
Rejeição é espinho que não lhe deixa dormir.
Viver é acordar de uma fotografia
E esperar a noite para lhe consumir.
Alguém sempre sai machucado
E a cicatriz da alma não sara.
Nunca mais vi o dia amanhecer nos seus olhos
E o seu sorriso refletindo o sol
Não sorriu mais para mim.
Viver é bom ainda assim.
Vou desvendar um segredo:
Eu existo!
Mesmo que ninguém note, eu existo.

Deni Píàia

Enquanto você não chega

o
Grãos de vida,
Cacos de luar.
Colhi estrelas e guardei
No celeiro da alma
Esperando sua (re)volta.
Quando a lua é apenas o que você vê
Não se faça de rogada:
Venha que a colheita é certa,
Os frutos estão maduros.
O celeiro ainda é o mesmo
Onde guardo nossos momentos
E meus dias sem sentido.
Nele não há trancas e as janelas não se fecham
Mas somente o vento vem e vai
Enquanto você não chega.

Deni Píàia

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Comemorando o Tri

.

O inimigo se esconde no quintal
Falemos baixo para que não nos ouça
Pois queria me juntar aos ladrões
Aos desviados, ditos vilões
Seria mais leve essa carga
Cuidado que ele está chegando
E usa farda
Faz-se de bom samaritano
Livra-se de corpos em valas anônimas
Sob o asfalto de avenidas
Cheias de vidas
Silêncio!
As paredes têm ouvidos e guardam corpos
O inimigo nos espreita
Explode bombas em meu nome
Tortura e mata, mas não mata a fome
Das verdades que ficaram contidas
Nas cicatrizes dos choques, nas feridas
O sonho ainda não acabou
Mas virou pesadelo
Lá vem ele, pé ante pé
Disfarcem,
Comemoremos mais um gol de Pelé

(Deni Píàia)

Laura chegou

Para os amigos Salim e Raquel, pais da Laura.

Laura chegou
Mudando conceitos, clareando visões
Transformando a vida e uma brisa soprou
Trouxe guarida, temporal de emoções

Laura tem luz
Amor sem fronteiras que não se detém
Ramo de louros que a coragem conduz
E um coro de anjos entoou Amem

Laura tem aura
Perfume cidreira, cheirinho de filha
Faz-se a verdade, fissuras restaura
Laura chegou e formou-se a família

(Deni Píàia)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Mercadoria exposta

.
Seu universo tem duas calçadas
Que se encontram numa esquina
Onde todos vão pegá-la
Travestida de menina
Basta um toque na buzina

Seu universo tem um poste torto
Que mal ilumina sua noite
Quando o dia já vai morto
A única rima é o açoite
Mas às vezes tem pernoite

Seu universo tem carros do ano
Mais confortáveis que sua cama
Tipos bizarros, sentimento insano
Pagam pra dizer que os ama
Habituados à lama

Seu universo tem roupas curtas
Pernas de fora, seios à mostra
Paredes nuas, retinas turvas
Bancos de couro onde se prostra
Mercadoria exposta

Seu universo é mais que isso
Também tem medos, choro que embarga
Ranger de dentes, reza e feitiço
Suor azedo, saliva amarga
É pesada sua carga

(Deni Píàia)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Amigo virtual

- 3o lugar no Concurso Internacional de Poemas "Interfaces Culturais" – Belém do Pará, 2010.
- Menção Honrosa no XXXI Concurso Literário da Uniso (Microcontos) - 2012.

Ligou
Conectou
Acessou
Na sala de bate-papo descobriu-se só
Desconectou-se da vida
E ninguém notou

(Deni Píàia)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Todos os dias são iguais

.
Estive perdido por todo esse tempo, mas
Ninguém se mantém no inferno ou no paraíso se não quiser
Vaguei pelos vales do corpo amado
Levitei sobre cabelos ondulados e perfumados
Rastejei-me aos pés de unhas vermelhas
Deitei-me com as cabras da montanha
Até que uma doce flauta doce soou a leste
E como um rato de esgoto passei a seguir
As cores que se esparramaram pelos campos
Quando todos lhe dizem o que sentir, falar ou como agir
Algo está acontecendo no país de ninguém
Quando a platéia vaiou Bob Dylan
Ficou claro que estrelas só brilham no escuro
Não posso acreditar no que dizem os jornais
Já que todo jornalista pensa ser Deus
Publicitários têm certeza
Médicos até brincam de ser
E o advogado vai processar os três
Afinal, ele se enxerga acima dos quatro
Todos os dias são iguais quando você não tem dinheiro para o pão

(Deni Píàia)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Terminal (II)

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Mais uma noite agradável e lá estava eu, apreciando a movimentação no terminal de ônibus, desta vez bem mais tranqüila, penso que pelo adiantado da hora. Para meu deleite, porém, o pastor se fazia presente fazendo sua entusiasmada pregação. Não tive dúvidas: comprei um amendoim “quentinho”, sentei-me num banco e passei a ouvi-lo.
Sem seu terno habitual devido ao clima, mas com uma alinhada camisa de mangas curtas, tecia pesadas críticas à televisão, às novelas e outros que-tais. Ninguém lhe dava bola. A sonolenta rotina somente foi quebrada por uma jovem, visivelmente habituê do local, que passou por ele e começou a tecer comentários desafiadores, acompanhados de gestos obscenos, mostrando o dedo “pai de todos”. Aqui pra você –gritava ela. Vai fazer alguma coisa de bom em vez de ficar aí falando o que os outros têm que fazer –acrescentava. Não bastasse o incômodo e os gestos baixos, agitava uma bandeirinha da Dilma. E ele falando sobre os pastores da TV, que prometem riqueza e vida fácil, mas que não movem uma palha para ajudar quem quer que seja de outra religião. Ironizou abertamente a igreja evangélica, que não ajuda “budistas”. Não, não entendi o motivo dessa referência aos budistas em especial. E a moça gritando e gesticulando obscenamente, despertando a indignação de todos que passaram a prestar atenção às palavras do pregador, despertados que foram pela má educada ouvinte. Ele seguia, agora tecendo severas críticas à música chamada “Gospel”, por ele classificada como “lixo que nos dá vontade de cuspir”. Uma frase utilizada ficou gravada em minha memória: “Nunca tanta gente acreditou em tantas mentiras”.
A moça se foi, tudo se acalmou, mas penso que ela cumpriu seu papel. Notei que, agora, todos ouviam-no atentamente, a maioria concordando com suas palavras através de leves movimentos de cabeça. Até eu! Acabei me dando conta de que concordo com cerca de 90% de sua pregação e, não fossem as sólidas bases filosóficas alicerçadas no espiritismo que mantenho, facilmente o seguiria.
Meu ônibus encostou e, já instalado em seu interior, eu continuava me esforçando para ouvi-lo, assim como meus colegas de transporte coletivo. Uma pena o motorista ter cumprido seu horário à risca. Hoje não vejo a hora de ir embora para ouvir novamente meu pastor preferido. Vou acabar me convertendo...
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Deni Píàia

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Mãe moderna

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ooooo“Tenho 17 anos e sou mãe. Sou sim, e daí? O que você tem a ver com isso? Mas sou uma mãe moderna, não sou careta como foi a minha. Meu filho foi feito no maior barato, no banco de traz de um fusquinha 69. O pai tá por aí, sei lá! Sou uma mãe moderna sim, filmou? E meu filho também é porrêta! Está com dois anos. Tô educando ele do jeito que eu gostaria de ter sido educada. Com toda liberdade. Ele já sabe até te mandar praquele lugar! Faz o que quer, fala o que pensa. Não tá nem aí, cara. Sou uma mãe moderna, sabe? O futuro dele? Quero nem saber. Cada um se vira por si. O amanhã é amanhã. Só quero saber do hoje. O que ele vai ser quando crescer é problema dele. Não sendo mais um caretão, tá legal. É... Sou uma mãe moderna sim. E mãe moderna não tem que esquentar com futuro. Aliás, acho que mãe moderna assim nem tem futuro.”
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Dei a moedinha e ela se foi.


(Deni Píàia)

Livros que choram

6.o lugar no "Concurso Internacional de Poesias da Biblioteca Adir Gigliotti” de Campinas-SP, 2010, realizado sob o tema "Alcy Gigliotti".
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Cheiro de mofo agride narizes
Range lamentos a estante pesada
Exibindo volumes, variadas matizes
Chora o abandono de cultura acumulada


Silencio gritante reclama atenção
De quem viveu transparência de vidros
Febril bibliófilo semeou emoção
Por Alcy Gigliotti soluçam os livros

(Deni Píàia)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Terminal Rodoviário

Prêmio Melhor Destaque Literário do 7º Concurso Literário Poemas de Amor, realizado pelo site com o mesmo nome, conferido a pedido do juri, uma vez que a crônica em questão não se enquadrava ao tema proposto "As faces do amor"  (2011).

Menção Honrosa (9° lugar) no 1º Prêmio Escriba de Crônicas - Piracicaba-SP, com 1.540 trabalhos inscritos, 2011.

Prêmio Participação Especial em Prosa no II Concurso de Poesia Popular da UBT Maranguape-CE, 2011

-Pipoca é cinquennnn... té cinquennnn... té cinquennn
-Meus irmãos, está aqui na Bíblia.
-Amendoim torradinho só setenta.
-Pipoca é cinquennnnn...
-Tem um trocadinho pra me ajudar?
-Chocolate Suflé, só num é mais doce que mulé.
-Um é dois, três é cinco.
-E Jesus falou...
-É cinquennnn... té cinquennnnn...
-Moçô, passa na rodoviária?
-Água só um e vinte.
-E a pipoca?
-É cinquennnn... té cinquennnnn...
-Torradinho, torradinho!
-Vrrrrrummmmm...
-Peraí, moçô!
-Quando Jesus perguntou aos seus apóstolos...
-Tem uma moedinha?
-É cinquennnn... té cinquennnnn...
-Suflé é da Nestrê!
-A que horas vai sair?
...
Marqueteiros, vendedores, pastores, pedintes... Povo. O terminal de ônibus me parece uma grande colcha de retalhos humanos onde cada um busca seu lugarzinho ao sol, embora seja noite. Sentado num banco tentando registrar o que vejo e ouço, fico perdido num turbilhão de ofertas, pedidos, perguntas, conselhos, freadas, aceleradas, passos, correrias e pernas, algumas bem bonitas! Fico imaginando de onde vem toda essa gente que, de alguma forma, em sua maioria, tenta levantar uns trocados. Verdadeiros profissionais de vendas, desdentados e maltrapilhos, que vivem de seus parcos negócios, enquanto eu não consigo vender nem pra mim mesmo. Onde estão suas famílias, seus amigos, suas casas?
Resolvi experimentar o amendoim torradinho-torradinho, acondicionado em tubinhos de papel dentro de uma espécie de balde que, embaixo, tem uma abertura onde uma brasa mantém a iguaria aquecida. E não é que estava quentinho! Achei que valeu o preço: só setenta centavos. O “Suflé” até que provoca a gente, mas naquelas mãos quentes deve estar uma papa. A água mais quente ainda. Quanto à pipoca tenho vontade de chutar o pacote, de tão chato que é seu anúncio: -É cinquennnn... té cinquennnnn...
Um caso à parte é o pastor. Bela oratória! Um sujeito bem vestido, terno limpo, puído, mas limpo. Pasmo com seu nível de informação. Fala do diabo disfarçado de roqueiro, citando Led Leppelin, John Lennon e Nirvana, discorrendo sobre Raul Seixas no cenário nacional, entre outros. Faz uma profunda e excelente crítica sobre a programação televisiva onde, logicamente, lá está o capeta de novo, em todos os canais e horários. Mete o pau em religiões, todas! –Minha religião é a Bíblia, diz ele. Pisoteia sobre a moral de pastores que pedem e tiram dinheiro dos fiéis, até deixando alguns expectadores contrariados.
À primeira vista lembra uma feira onde ninguém conhece ninguém, onde todos estão sós. Ledo engano. Observando melhor percebo que, atento ao pastor/orador, outro espera ao longe para substitui-lo ou acompanha-lo no caminho de volta. O vendedor de “Suflé” acompanha o da pipoca, que é amigo do amendoim. A mulher que vende água é mãe da moça que vende frutas na outra plataforma. O pedinte de moedas é parceiro do outro que já pediu, ganhou e agora está fumando sossegado. Os motoristas são companheiros entre si e conhecidos da maioria dos passageiros. Enfim, acabei por concluir que só eu estava sozinho. E como num passe de mágica, de repente o terminal se esvazia. Para onde foram todos? Vendedores desapareceram, o pastor silenciou e sumiu, os ônibus escassearam, os pedintes já se acomodam na calçada. Fico com a impressão que se diluíram e escorreram para as bocas-de-lobo, de onde agora me observam irônicos. Seguiram seus caminhos e eu fiquei só. Vou tomar o próximo ônibus e também seguir o meu, para chegar em casa e continuar só. Mas amanhã eu volto para reencontrar minha turma.

(Deni Píàia)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ai de mim

Classificada p/ antologia no Concurso Literário “Escritos de Amor” da Editora Casa do Novo Autor, São Paulo/SP, fev 2011.

Vestia borboletas e sorria margaridas
Pronunciou frases azuis
Emoldurando sons de flauta pan
Volitou como brisa fresca
Sob o luar cheirando a jasmim
Ai de mim...

Abriu-se Angélica no mês de abril
E mergulhei em seu colo de relva
Aconchego de mãe novinha
Pétala branca em luna noite
E ficamos assim
Ai de mim...


(Deni Píàia)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Dona Juraci (será esse o nome dela?)


Os remédios de Dona Juraci

2º lugar no  8ºConcurso Literário de Contos, Crônicas e Pesias da Biblioteca Municipal "Paula Rached", de Pederneiras-SP, 2012.


Foi há algum tempo e, se não me engano, o nome da senhora é Dona Juraci. Foi quando eu entregava produtos ditos naturais que comercializávamos pelo sistema de telemarketing. Mas isso não importa. O que vale registrar é que na primeira vez que fui à casa de Dona Juraci entregar sua encomenda (não me lembro qual era o problema dela, se é que não tinha algum) travamos um agradável bate-papo. Contou-me de sua origem humilde, de suas doenças, de suas consultas, dos médicos desatentos e dos remédios que tomava e que nada resolviam. Para provar – pessoas de idade sempre querem provar o que dizem – fez questão de me mostrar os medicamentos que utilizava.
A casa de Dona Juraci ficava nos fundos de um grande terreno que abrigava um vigoroso pomar, com dois abacateiros que se destacavam. Insisti que não precisava mostrar, mas ela fez questão. Era tão atenciosa e humilde que concordei, por fim, em ver sua farmácia. Enquanto eu esperava no portão fechado, lá se foi ela atravessando o imenso terreno rumo à casinha nos fundos, pé a pé, vagarosamente, como permitia sua precária saúde. Não me esqueço do som de seus chinelinhos se arrastando pelo chão de terra batida.
Pouco depois de desaparecer dentro da casa, retorna ela com quatro enormes sacolas plásticas, daquelas de supermercado, abarrotadas com misterioso conteúdo, de forma que mal podia carrega-las. Fiquei morrendo de remorso ao ver seu esforço, andando como um robô, e recusei-me a acreditar que tudo aquilo seria remédio. Da mesma forma que foi, veio. Pé a pé, bem devagarzinho, arrastando os chinelos, até chegar em minha frente e, completamente exausta e suada, depositar, quase largando, as quatro sacolas no chão. Acompanhada de um profundo e sofrido suspiro veio a revelação que quase me fez mijar de tanto rir:
– Uffff... Só consegui trazer metade.
Ela falava sério.


Os abacates de Dona Juraci

Vocês já conheceram Dona Juraci. Será que era esse mesmo o nome dela? Gostaria de ter uma memória mais aguçada, como a do meu amigo Flodoardo. Qualquer dia conto dele. Mas lá fui eu levar uma nova entrega de produtos ditos naturais para ela. Já contei que ela mora na periferia de Sumaré? Como velhos amigos, fui recebido de forma mais despojada. Era impossível simplesmente fazer a entrega e me retirar, porque os assuntos para Dona Juraci nunca terminavam. Ela é daquelas que vão emendando um tema ao outro até formar uma grade e colorida colcha de retalhos temáticos. Mas ao entregar os produtos chamou-me a atenção a forma como ela levou-os para dentro de casa, andando com agilidade, esperta, sem arrastar os mesmos chinelinhos da vez anterior. Fiquei satisfeito ao ver que os produtos lhe fizeram bem. Ou se foram as oito sacolas de remédios, nunca soube.
Pouco depois Dona Juraci retorna com duas sacolas, mas desta vez com um conteúdo muito mais interessante: abacates. E eram de presentes para mim! Afinal os abacateiros estavam esbanjando frutos, enormes, lindos, carnudos e saborosos, conforme confirmei mais tarde. Vai daí nossa conversa derivou para os abacateiros e sua bondade natural em agraciar o ser humano com tantos frutos maravilhosos.
–Ah, mas isso tem uma explicação! – esclareceu Dona Juraci, referindo-se a uma simpatia para o abacateiro carregar de frutos que nunca falhou, segundo me garantiu. Evidentemente quis conhecer a tal simpatia que, para minha decepção, soube de imediato que jamais conseguiria tal façanha.
–É simples – disse ela. –Você manda uma moça, mas tem que ser moça, dar um abraço bem carinhoso no abacateiro.
Até aí sem problemas, pensei.
–Só que a moça precisa ser virgem! – acrescentou.
Pronto! Foi por água abaixo qualquer possibilidade de eu me tornar um bem sucedido produtor de abacates.
Essa Dona Juraci só me surpreende...

(Deni Píàia)

Conto espelhado

- Menção Honrosa no Concurso Literário “Palavras da Primavera” – Rio das Ostras-RJ, 2010.
- 6° lugar no XIV Concurso de Contos Alípio Mendes, realizado pelo Ateneu Angrense de Letras e Artes - Angra dos Reis-RJ, 2011.
- Menção Honrosa no VI Concurso Contos do Tijuco Preto Jair Humberto Rosa, de Ituiutaba-MG, 2012. 

Do outro lado da vidraça / lado A

Entrelaçando-se à árvore nua o vento uivou um tom acima do habitual. Trouxe com ele folhas secas, sensações molhadas, lembranças amargas. Do outro lado da vidraça a mulher, cúmplice, com seu coração seco, face molhada, um gosto amargo na boca que ansiava por outra boca. Via na árvore seus próprios braços a se agitarem em desespero, o desespero dos abandonados, tentando se agarrar ao rastro que ficou. Nem viu o tempo passar convidando-a para seguir com ele. Preferiu o conforto da autopiedade ao incômodo da verdade.
Do lado de fora, bem próximos à arvore, dois olhos mergulhados em arrependimento esperavam ser notados. Absorvidos pelo medo do regresso, pela incerteza do acolhimento, aguardavam que a fantasia do reencontro se realizasse por si só. O medo... Sempre o medo. E ninguém notou que tudo estava do outro lado da vidraça.
O vento fechou a janela para, em seguida, abrandar. Cada um voltou ao seu mundo e, tristemente, tudo virou rotina outra vez.


Do outro lado da vidraça / lado B
Uma árvore nua colocava-se entre ele e a janela atrapalhando a visão. E para piorar, o vento barulhento que enchia a atmosfera de poeira, folhas secas e pingos de uma chuva que prometia não desabar. Muito pior, porém, era o nó na garganta, a boca seca, os olhos encharcados que procuravam a visão tão esperada de alguém do outro lado da vidraça. Pensou no tempo passado que, certamente, já teria apagado seu rastro deixado quando foi embora, quando preferiu seguir em frente, buscar algo que nunca soube o que era, não se dando conta da besteira que fazia. Agora só o medo da volta, da rejeição.
Lá dentro um rosto quase colado à vidraça, dois piedosos olhos inundados de arrependimento por nada terem feito, aguardando por um retorno que parecia tão distante. Quanto sentimento guardado! Mas o tempo atrapalhou tudo e eles não se notaram.
O vento fechou a janela para, em seguida, abrandar. Cada um voltou ao seu mundo e, tristemente, tudo virou rotina outra vez.


(Deni Píàia)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quero envelhecer

Selecionado entre os 50 melhores no 13º Concurso de Poesia da Biblioteca Popular de Afogados, 2011.

É difícil sentir-se velho quem hoje vive
A mídia não deixa
Na vitrine que o tempo expõe
Você faz parte da engrenagem
E ela não pode parar
Coragem!
É preciso estar jovem para consumir
Para votar
Para concordar
É preciso se comportar como manda a etiqueta
Que hoje obriga a ser um velho jovem
Porreta!
Queria tocar um blues com meu filho
E sentir-me velho
Queria fazer a segunda voz num coral em família
Para sentir-me pai
Queria falar de poesia com minha filha
E sentir-me útil
Queria falar da vida com minha mulher
Sem ser cobrado, como não o são os velhos
Queria tantas coisas que não posso...
Porque não envelheço
Serei eterno? E terno?
Queria não ter datas e horas
Como os velhos
Não ter que me lembrar de aniversários, recados e ofensas
Como os velhos
Poder me vestir confortavelmente
Alimentar-me na hora da fome
Jogar dama e conversa fora com os amigos
Muito mais do que tenho feito

(Deni Píàia)

É preciso

p
É preciso dar ouvido aos loucos
tortos
quase mortos

É preciso dar voz aos que são poucos
excluídos
deprimidos

É preciso dar visão aos despreparados
ignorantes
meliantes

É preciso dar espaço aos arrojados
corajosos
calorosos

É preciso dar crédito aos sonhadores
idealistas
anarquistas

É preciso dar o que merecem aos opressores
malditos
esquisitos


(Deni Píàia)

Casa d'avó

 2º lugar no Concurso Literário da Academia de Letras de Nova Trento-SC, categoria Poesia, 2012.

Lembro-me da velha casa
Nela morava minha avó
Chão de tijolo
Fogão de lenha
Cheiro de feijão e de aconchego
Telhas enegrecidas
Medo de fantasmas
No canto da sala o oratório
E diante dele todos diziam amém

Hoje uma nova casa
Nela não está minha avó
Piso de vidro
Design interior
Cheiro de pinus, frio de floresta
Tudo tão só
Medo da solidão
No lugar do oratório a TV de plasma
E diante dela todos dizem amém


(Deni Píàia)
O

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Estou ficando velho

Sou mais velho que minha rua
Mais jovem que a velha lua
Tenho a idade da razão
Do faminto rock’n roll
Da descarada televisão
Sou do tempo da ditadura
Do velho estado novo
Da dentadura
Respirei os ares da mudança
Aspirei os perfumes da esperança
Cresci
Hoje sou mais velho que meus amigos
Trago histórias para contar
Poucos vão acreditar
Mas não importa
Vivi os anos que mudaram o mundo
Mas não o homem
Que foi à lua
Que saiu à rua
Que deixou nua
A mulher que lhe deu a mão
Assisti “O direito de nascer”
Mas não consegui ver
Os direitos iguais para todos os homens
Vi mais do que precisava
Menos do que queria
Penso que poucos verão
Tanto quanto vi num só dia
Acho que estou ficando velho


(Deni Píàia)

Poderosa maga

Sem varinha de condão
Pozinho de pirlimpimpim
Ou bola de cristal
Apenas uma poderosa maga
Que traz nos olhos os poderes de mulher
E eu, que não sou mago nem nada
Embriago-me nos seus doces poderes
Como doces são seus gestos
Surpreendo-me com seus nervos de aço
Que suportam o peso do mundo que não lhe deu mole
Sua magia mais do que espanta
Me encanta
Desbanca
Sem se importar com o que vão dizer
Apenas uma poderosa maga
Com todos os feitiços de mulher
De-me sua força
Ou me empresta


(Deni Píàia)

Não aguento mais

oo
A complexidade dos simples;
A perplexidade dos sabe-tudos;
A arrogância dos imbecis;
A ética dos incoerentes;
Super herói com tendência gay;
A estética da miséria;
A humildade dos complexados;
A vulgaridade dos ricos;
O sou-assim-mas-sou-feliz dos pobres;
O cabelo engomado dos filhinhos da mamãe;
O desleixo estético dos artistas;
Gente cantando para fingir que está feliz;
O espanto ensaiado dos incrédulos;
A falsa descrença dos ateus;
O paraíso perdido dos católicos;
O inferno iminente dos evangélicos;
A rima desconexa do poeta;
A poesia bélica dos lideres;
Gente que fala alto;
O mundo-gente imposto ao cão;
A simetria das bocas entreabertas;
A ridicularidade dos BBBs;
A mediocridade dos reality-shows;
Sertanejo universitário analfabeto;
Pagodeiro que nem sabe sambar;
Egocêntricos;
O escárnio dos políticos;
O vamos-investigar da policia;
O “mmm...” no fim das frases do Silvio Santos;
A musiquinha do Fantástico;
A babaquice dos emos;
A moda de se dizer gay;
Riso forçado para ironizar;
Crianças adulteradas pelos pais;
Pais roubando a infância dos filhos;
Os pare-com-isso dos ex-fumantes;
Os conselhos vejam-como-sou-legal;
Os atletas de fim de semana;
Os faça-como-eu-faço;
Os meu-sofrimento-é-maior-que-o-seu;
O carro novo que cheira status;
O tênis importado eu-tenho-você-não-tem;
O lavo-minhas-mãos dos pais;
Os deixa-que-te-ajudo (e te manipulo);
Os engraçadinhos olha-o-que-mamãe-me-ensinou;
Discurso de artista em campanha de solidariedade;
As verdades que não levam a nada;
As mentiras que levam a tudo;
Que saco!


(Deni Píàia)

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Jazz em Lá menor

Na árvore nua o vento resvala cantante
Entoa melodia em Lá menor
E um jazz encanta
Chuva atrapalha pintassilgos amantes
Formigas em procissão
Aos olhos de quem ficou, quem foi não volta
Nem vê as cores sorrindo
No céu de carmim


(Deni Píàia)

A espera

  • Classificada entre as 10 poesias vencedoras na 3ª edição do concurso Poesia em Trânsito, realizado pela Universidade Luterana do Brasil -ULBRA, de Canoas-RS / 2011.
  • Classificada no evento Varal Poético, da cidade de Nova Odessa-SP / 2011.

Sinfonia em Sol Maior
Mil anjos cantam em coro
Soam trombetas de ouro
Música que vem da paz
Débil sorriso de gratidão
Graças...
Cabeça se inebria
Eis a sinfonia
O tilintar das chaves é música
Quando se espera o filho chegar


(Deni Píàia)

Sombra e água triste

Vida videira
Sombra e água que persiste fresca
Sob a parreira encharca feito sangue
E espera
A vida passar num pé de vento
O tempo estancar por um momento
O céu azular o azul cinzento
Deveria estar atento e ver
A água que se faz impotável
O mar que não está pra pescador
O ar nada confiável
O clima... Faz frio ou calor?
Vida videira
Sombra e água que, fresca, persiste
Triste


(Deni Píàia)

Benditos os frutos

Selecionado entre os 35 melhores no Prêmio SESC 2011 / Brasília-DF,  Concurso de Poesias Carlos Drummond de Andrade.

O horror estampa as caras dos filhos
Como se enxergassem os fantasmas que não vemos
Os fantasmas somos nós
A nossa velhice
A mesmice
Tudo o que não querem é ser o que somos
Somos aparências preocupadas com as línguas de fogo
Somos os fantasmas que os espantam
Se somos assim, são assados
Não, não estão errados
Falamos muito e fizemos pouco
Buscam o choque para nos mostrar
Só eles enxergam que ficamos velhos
Pijamas, chinelos, TV, lembranças, Beatles
Aquelas mentiras que contamos já não funcionam
Descobriram que não fomos heróis
Amanhã estarão se olhando no espelho
Descobrirão que solidão não sara quando vem de dentro
Benditos os frutos da nossa família


(Deni Píàia)

A vida adolesce

Sonhos de primavera
Corpos de verão
Ânsias de outono
Espíritos de inverno
Adolescem
A vida é festa na idade emoção
Tudo é ação
Exalt-ação
Perturb-ação
Masturb-ação
Tudo vale e pode, Ipod
Do MP-3 ao MP-infinito
O tempo não tem tempo
É um grito
Não da tempo, passou
Na balada, badala
Da bala
No volante novo-lante
Ante o risco latejante
Rabisco meu pensamento
Tênis novo
Importado, importa?
Todos viram
Então valeu, corta
A próxima cena
Atrás da porta
Quem poderá dizer?
Quem se importa?
A vida é festa até amanhã
E a manhã adolesce


(Deni Píàia)

Uma casa italiana

Mesa farta de vinho e vida
Vira-vira vira-vinho
Casa farta de família e paixão
Vira-vira vira-vida
Coração impregnado
Inflamado entusiasmo
Panelas penduradas
Sentimentos expostos como girassol
Tarantelas, altos brados em Si-bemol
No exagero dos gestos a expressão da alegria
No exagero da vida a expressão da paixão

“É uma casa italiana, muito humana
É, com certeza, muito humana e italiana”


(Deni Píàia)

Pitíco, o palhaço sem graça

Menção Honrosa no VII Prêmio Barueri (SP) de Literatura - Conto e Poesia - 2010

-Senhoooooooooras e senhores! Atençãããããããão criançada... Vem aí a alegria do Circo Lobato... Com vocês o palhaço Pitícooooooooooo...
A bandinha desatou a tocar aquela marchinha que caracteriza a entrada do palhaço, enquanto Pitíco entrava tropeçando e dando cambalhotas, enroscando-se nos enormes sapatos vermelhos.
-Criançada, booooooa tardeeee!... Não mais do que meia dúzia de crianças responderam desanimadas.
-Mas assim está muito fraco! Parece até que vocês não paparam hoje! Quem comeu tudo o que a mamãe serviu? Ninguém se manifestou.
-Ah... Muito bem! É assim mesmo que tem que ser! Então agora eu quero ouvir bem forte: Criançada, booooooa tardeeeeee...
Foi possível distinguir três respostas, sendo uma de um adulto visivelmente penalizado com o fracasso do palhaço. Aliás, a cada espetáculo não era diferente. Pitíco, por mais que se esforçasse, não tinha o carisma necessário para adquirir a simpatia da criançada. Mas era preciso insistir porque não sabia fazer mais nada na vida, forçado que foi pelo velho pai, este sim um palhaço de grande sucesso enquanto atuou, querendo ver no filho o prosseguimento de sua arte.
-Valdir, a coisa tá ficando séria. Meu circo está à beira da falência e você sabe que circo sem um bom palhaço não tem chances de sobreviver.
-Mas seu Lobato! Eu não sei fazer outra coisa...
-Você não sabe fazer nada, Valdir. Nem mesmo ser palhaço.
-Seu Lobato, por favor, entenda minha situação. Se eu for despedido não tenho prá onde ir e nem o que fazer. E prá complicar essa gravidez da minha mulher...
-Trate de dar um jeito. Circo sem palhaço não sobrevive. E com palhaço sem graça fica ainda pior.
O espetáculo noturno não foi diferente. As poucas dezenas de pessoas que se aventuraram a comprar os ingressos saíram visivelmente desapontadas sem as gargalhadas de seus filhos. O olhar frio e ameaçador do dono do circo retardava o sono de Valdir, ainda mais perturbado pelas manifestações de mal-estar da mulher grávida.
-Molecada desgraçada... Querem que eu faça o quê? Será que custa tanto dar umas risadas? Na televisão por qualquer besteira todo mundo morre de rir... É bem feito prá mim. Se não gosto de crianças, porque fui dar ouvidos ao velho? E eu que ainda sonhava em ser aclamado, ganhar dinheiro, ser convidado prá TV... Pro inferno essa molecada!
Domingo, nova matinê. A distribuição de ingressos gratuitos trouxe público em dobro, chegando a ocupar metade das instalações do circo.
-Olha lá, heim Valdir! Hoje a casa tá cheia e vê se num faz papelão.
-Vou tentar, seu Lobato, vou tentar...
-murmurou emburrado, já prevendo uma nova tentativa frustrada de fazer com que as "pestinhas" vissem alguma graça em sua atuação.
-Que saco! –pensava. -Porque essas crianças não ficam brincando na rua? Vida desgramada... Não toléro criança e tenho que ficar fazendo gracinhas prá elas...
-Tá na hora, Vardí!
Ajeitou a peruca vermelha, colocou o nariz, conferiu o enorme macacão de bolinhas coloridas, calçou os sapatões e lá se foi murmurando palavrões. O resultado final não foi diferente.
-É... Acho que não dá mais, Valdir.
-Seu Lobato!...
-Só mais hoje à noite e depois chega. Já chamei outro.
O proprietário do circo retirou-se deixando Valdir imerso em seu fracasso. Não sabia o que pensar. O arrependimento por ter seguido uma carreira que não gostava, o ódio ao se lembrar dos rostos das crianças esperando uma graça engraçada, o filho que estava chegando, o futuro sem certezas, tudo se misturando a um certo alívio por não ter mais que enfrentar aqueles olhos infantis que ele tanto temia.
-Vai ser o último espetáculo do Pitico. -murmurou para a mulher.
-Deus é pai, Valdir. Ele vai mostrar um caminho prá nós.

-...E com vocês o palhaço Pitícoooooo...
O anúncio lhe parecia muito distante, tão distante que não conseguiu interromper seus pensamentos. Continuou por mais alguns instantes recostado sobre a plataforma do elefante, abismado com a nova situação que o esperava. Mentalmente estava muito longe, mas ainda conseguia ouvir o reduzido número de aplausos que não se repetiriam no final e nem nunca mais.
-... E além de tudo ele deve ser surdo! Mas vamos tentar novamente: com vocês o palhaço Pitícoooo...
-Acorda Vardí, é o cê!
Não entrou tropeçando ou dando piruetas. Andou lento, cabisbaixo, triste, até sentir que atingira o centro do picadeiro. Não pensou em nenhuma graça para aquela noite, a última, porque não tinha graça. A piada maior, pensava, era sua vida. Parou. Titubeando levantou o rosto e encarou o olhar inimigo das crianças. Sentiu-se fraco, fracassado. Sentiu-se ninguém. A grande e colorida bengala escapou-lhe das mãos, as pernas tremeram. Não conseguiu conter a primeira lágrima que abriu caminho para muitas outras. O silêncio fez com que seu soluço ecoasse por toda a arquibancada. Sentou-se no centro do picadeiro e, com a cabeça em meio aos joelhos, chorou o choro do desespero, da derrota, da criança desamparada. E prá quê disfarçar? Em meio ao silêncio um risinho ingênuo seguido de uma pergunta:
-Paiê, porque o palhaço tá chorando?! -e todos caíram na gargalhada.
Pitico encheu-se de uma força que nunca teve. Levantou-se. Era seu último espetáculo e não tinha porque deixar de dividir seu fracasso com o mundo.
-Estou chorando porque não gosto de crianças.
Novas gargalhadas.
-Estou chorando porque não sei fazer rir.
Muitas gargalhadas.
-Estou chorando porque não consigo ser um palhaço no circo, mas sou um palhaço na vida.
E tome gargalhadas.
-Estou chorando porque não tenho prá dar o que vocês vieram buscar.
Mais gargalhadas.
-Estou chorando porque fui despedido do circo, porque sou um palhaço sem graça.
Outras gargalhadas.
-Vardí, Vardí!!!!... -o funcionário invadiu o picadeiro desesperado. - Seu filho tá nascendo! Corre lá, home!
Pitíco esqueceu-se de tudo. Quis sair correndo para acudir a mulher, mas enroscou-se nos enormes sapatos e caiu. Tentou novamente e rolou pelo chão. O desespero lhe dominou e quanto mais tentava se apressar mais se enroscava na fantasia, proporcionando as mais engraçadas cenas que a humilde platéia daquela cidade havia visto. O público delirava em gargalhadas e aplausos que o palhaço não conseguia ouvir.
-É um molecão! -anunciava a trapezista que ajudara no parto, estendendo ao pai a criança.
-É uma criança!
-Cê queria que fosse o quê, Vardí? Um trator?
A mãe esqueceu a dor para rir também. O espetáculo continuava, mas todos que não estavam em cena concentravam-se ao redor para dividir a alegria. Até o patrão se aproximava.
-E eu que nem gostava de criança! -comentou Valdir, sem saber se ria ou se chorava.
-Vai ser palhaço também? -questionou alguém.
Seu Lobato entecipou-se:
-Se for dos bons como o pai, já está contratado!


(Deni Píàia)

Nada além de uma noite

Quanto tempo duram os sonhos?
Não deveriam durar nada além de uma noite
Assim são os meus
Mas minhas noites são tão lonnnnnngas...


(Deni Píàia)

Meu quadro


Sol de outono entre nuvens
Tinge ocre a paisagem
No caminho pouco usado
Vai um vulto e seu cajado
Quem é ele?
Árvore que se arvora
Pico enigmático
Sobressai-se ao nevoeiro
Monocromático – assino o quadro
Aventureiro


(Deni Píàia)

Conto de Natal: Menino simples

Classificado em terceiro lugar no XV Concurso Literário da Academia Caxiense de Letras-RS, categoria Contos / Nacional - 11/2010.

Classificado também em  terceiro lugar, Medalhas de Mérito, no concurso "Contos de Uma Noite de Natal" promovido pelo Elos Clube de Santos-SP - 11/2010. (prêmio jamais recebido)

Menção Honrosa no Concurso Literário da Academia de Letras de Nova Trento-SC, categoria Conto,  2012.

Era um menino simples, tão simples que não conhecia o Natal. Não sabia seu significado, sua origem, sua intenção, mas vivia feliz mesmo sem jamais ter ganhado um presente, um brinquedo. Sem escola, sem igreja, sem cultura. Seus brinquedos, na roça longínqua, eram o ribeirão, as árvores, as frutas, os animais silvestres, os irmãos. A esperança era o sorriso da mãe, o suor do pai, a comida no prato. A fé vinha do amanhecer, do anoitecer, do segredo das estrelas. Nunca precisou mais que isso. Um dia, a cidade. A família veio pra ficar. Na favela, com amigos, com asfalto, com shopping center, com vontades, com maldades, mas para ficar.
Cresceu, fez amigos, inimigos, conheceu a escola, as drogas, a frustração, a polícia, a revolta, solidão e o Natal. Data de ganhar presentes, de desejar mais que podia, de cobiçar e invejar o próximo, do supérfluo. Não aprendeu mais que isso sobre o Natal.

Jovem, estava pronto para a data máxima da cristandade e desta vez não passaria em branco. Ajeitou a arma na cintura, fechou o barraco vazio, pais e irmãos já haviam sido mortos pelo tráfico, desceu o morro. Andou muito enquanto planejava. Na avenida beira mar decidiu que não havia mais o que esperar. Sacou a arma, jogou sob os cuidados de Netuno, tomou o primeiro ônibus para a rodoviária, outro ônibus e chegou. De volta à roça. Sem Natal, sem shopping center, sem maldades, sem os pais, só. Descobriu que as estrelas ainda guardavam seus segredos, o ribeirão sussurrava amenidades, muito pouco havia mudado. Voltou a ser menino simples. No dia de Natal.


(Deni Píàia)

Ela

Não é parente, não é amiga
Só uma estranha que entrou na sua vida
Despertando algo que se convencionou chamar de amor
Não é parente, não é amiga
Somente alguém que lhe da prazer, filhos e despesas
E faz você se sentir importante
Metade dela
Às vezes insignificante
Nada sem ela
Ela não é nada de você
Magoa-se com uma facilidade espantosa
Magoa como se fosse a coisa mais natural
Ela é tudo pra você
Mesmo não sendo nada, ninguém
Até o dia que ela se cansa e vai embora
Aí a gente redescobre uma estranha realidade
Não é parente, não é amiga
É só uma estranha que se foi
Esquisito pra caramba!


(Deni Píàia)

A vida ensina

Menção Honrosa no Concurso Cultural Brasil Casual 2012.
O
Não faço o que gosto
Mas gosto do que faço
Não tenho quem quero bem
Mas quero bem quem me tem
Não sei cantar a canção que me encanta
Mas me encanta apenas ouvi-la
A vida ensina e aprende quem quer

Nas palavras do livro encontrei o caminho
Na voz do meu radio ouvi a canção
Na programação da TV descobri o que não quero
A vida ensina e aprende quem quer

No olhar de meus filhos enxerguei os meus sonhos
No exemplo do amigo aprendi ser melhor
No sorriso do estranho encontrei o apoio
A vida ensina e aprende quem quer


(Deni Píàia)

50 anos

1960 foi bissexto, mas não primo
Brasília então surgia pelas mãos de Juscelino
Rock’n roll era um bebê de futuro promissor
Os Beatles ensaiavam pra tornarem-se um furor
Por recentes transistores Elvis já era ouvido
Por aqui largo horizonte e um Brasil já prometido

Lá se vão 50 anos... E agora?
Mudou o mundo ou mudamos nós, enfim?
O bom de ter 50 anos é não ter que provar nada, e fim
Pois quem quiser que me compre assim


Deni Píàia

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O dia em que Deus acordou inspirado

Houve sim um dia em que Deus acordou inspirado. Tudo bem que Deus está sempre inspirado; como seria se não fosse assim? Mas naquele dia foi diferente. Ele estava realmente muito inspirado. Sentiu uma vontade imensa de fazer algo novo, grandioso, sensacional. Até parecia que não havia sido assim o tempo todo. Mas Ele queria algo para não passar em branco pela terra, pelo universo, pelos homens. Afinal, estava num bom humor incontido. Discreto, mas incontido.
Pensou numa grande obra, talvez numa montanha maravilhosa que pudesse ser vista por todos, com flores e árvores exuberantes, com uma simetria perfeita, de forma que nenhum gênio da pintura encontrasse qualquer defeito, por menor que fosse, mas...
-Não... Certamente isso já foi feito em algum canto esquecido do tempo, antes de ser destruído em busca de minérios ou pela expansão imobiliária.
Quem sabe um mar quebrando calmamente numa ilha...
-Não, já fiz tanto disso por aí! –lembrou Ele.
E um céu todinho azul, passando para o carmim lá no horizonte, enquanto o sol...
– Besteira, isso acontece todos os dias e ninguém dá a menor atenção. Ô gente desatenta... –murmurou. – Pra reparar nos outros e nos “defeitos” do que eu faço todo mundo tem tempo.
Já sei!
–animou-se. –Um ser humano perfeito, sem qualquer traço de egoísmo, sem... Peraí, pô! Isso eu to cansado de fazer! As pessoas já nascem todas, de certa forma, perfeitas, até mesmo aquelas que se julgam deficientes. A verdadeira imperfeição vem depois, com essa educação viciada, impensada, preguiçosa. E aí já não é comigo. Ainda bem que inventei o livre arbítrio pra ninguém reclamar.
Achou graça da situação e deu uma sonora gargalhada, logo abafada por alvas mãos. Afinal, Deus não poderia sair gargalhando por aí. Já pensou como se sentiriam aqueles que acreditam num Deus severo e vingativo? Seria uma grande decepção para eles. Possivelmente até pensariam se tratar de um impostor. Onde já se viu um Deus que ri e se diverte?! –exclamariam. Não, não pode. Deus é perfeito. Como se demonstrar felicidade fosse um grande pecado. Talvez os artistas tenham a maior culpa por esse pensamento. Alguém aí já viu um santo, um Cristo ou até mesmo um Deus retratado com expressão alegre? Dá a impressão que todos eles apenas sofreram durante todos os seus dias, sem nenhum momento de alegria, de satisfação pela vida. Talvez seja por isso que muita gente tenha até um certo medo de ser bom. Parece que para ser boa a pessoa tem que sofrer, que é impossível ser bom sem sofrimento, sem dor, sem humilhação. Olhe para as expressões dos santos e veja se não é verdade.
Mas voltando ao Deus inspirado, lá estava ele pensando com seus botões, que não eram poucos naquele roupão alvo e longo. Sem conseguir se definir por algo que O contentasse, batia compassadamente com a régua sobre a escrivaninha, concentrando-se em pensamentos vagos, entrando num estado de semicochilo profundamente agradável. Talvez reflexo do cansaço. Afinal, com tanta gente querendo se retratar o trabalho era quase ininterrupto. –Ainda bem... –pensou.
Pouco tempo depois o cochilo de Deus virou um pesado sono. Roncando e babando sobre o braço, debruçado em sua escrivaninha, tirava o sono dos anjos. E com isso o mundo entrou em estado de graça. Por alguns instantes a natureza silenciou, os mares se acalmaram, tempestades deram pausa, vulcões, furacões, ciclones, tudo experimentou uma calma nunca vista. Só os homens, sua mais perfeita criação, não deram a menor importância ao momento, enquanto a vida celebrava a inspiração divina. E foi nesse clima celestial que Deus teve um sonho. Não um pesadelo, não um sonho desconexo, mas um sonho que respondeu aos seus anseios e, finalmente, num brado de alegria despertou.
-Agora sim! Gritou enquanto enxugava a baba nas longas e largas mangas do roupão. –Finalmente encontrei a resposta! Agora sim vou fazer algo grandioso para ficar na primeira página de meu portifólio.
Sem notar a natureza que voltava ao seu ritmo normal, empolgado pela inspiração que lhe foi concedida em sonho, o Criador colocou mãos à obra imediatamente, dando o melhor de Si na sua mais nova e perfeita criação. E assim Deus começou, inspirada e lentamente, a elaborar cada um dos meus amigos.

(Deni Píàia)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Seis caminhos

Seis caminhos que se estreitam
Desembocam na canção
Seguem a linha melódica
Passam pelo coração
Seis caminhos percorri
Mi, La, Re, Sol, Si, Mi


Deni Píàia

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Quando a morte me convidar para dançar

Não posso banhar-me duas vezes na mesma água
Ou respirar outra vez o mesmo ar
Uma vida só se vive uma vez
Todo dia é tudo novo
Cada instante uma nova vida
Cada vida um novo momento
A vida não se demora mais que isso
Por isso, quando a morte me convidar para dançar
Vou aceitar sem pudor
Esquecer as promessas
O leite no fogo
A roupa na chuva
A chave na porta
Vou sair dançando como se soubesse
Entregar-me aos braços que me suportam
Dar-me-ei por vencido
Vou falar palavras que desconheço
Revelar segredos que nunca tive
Mostrar emoções que sempre escondi
Quando a morte me convidar para dançar
Vou aceitar sem pudor
Deslizar pelo salão da vida
Revendo a todos que me duvidaram
Rir daqueles que me censuraram
Por andar descalço
Acreditar no amigo
Por ter esperança
O espanto deles já não me preocupa
Suas palavras não me convencem
Quando a morte me convidar para dançar
Vou aceitar sem pudor


(Piaia)

Águas

  • Classificada no evento Varal Poético realizado na cidade de Nova Odessa-SP / 2011.

Vou mergulhar nessas águas
Sem medo de me afogar
Se acontecer... E daí?
Vale a pena arriscar
Quero nadar e sorver
Cada gota do seu pesar
Vou mergulhar nessas águas
Que brotam do seu olhar

 

 
(Piaia)

Ave Maria

Entra o vento, sai o sol
E com ele o cheiro doce da tarde
Meus fantasmas se aproveitam
Se aproximam, se instalam
Vai começar tudo de novo
A penumbra a tudo engole
O quarto, os olhos, o peito
Uma voz misteriosa me consola
Ou tenta
É hora da Ave Maria

(Piaia)

Tudo pode o poeta

- 3.o lugar na 1ª edição do concurso "Ser  Poeta na Contemporaneidade", promovido pelo site Poesia Baiana, Salvador-BA, 2010.
- Menção Honrosa no Concurso Literário da Academia de Letras de Nova Trento-SC, categoria Poesia, 2012.


Tudo é possível ao poeta
Escreve para respirar
Esconde-se nas palavras
Encontra-se nas rimas
Despede-se nos encontros
Espera em todas as esquinas

Tudo é permitido ao poeta
Calcula poetizando
Explica o que nunca soube
Respira em sílabas métricas
Inventa uma nova emoção
Desnuda sílabas poéticas

Tudo pode o poeta


(Deni Píàia)

Sombras e sobras

(para minha mulher esposa)

É tão pouco te amar
Queria ver-me verme no vermelho sangue que te sugo
Com a lenta plenitude do barco à vela
Sumo etéreo
Nos seus olhos a noite se espanta
E se acanha
Mesmo com mil estrelas a desafiar
Seu cansaço
Menina verde, fruta madura
Derretendo-se em água pura
Que eu bebo pelos poros
Sombras de um passado que me segue
Jamais conseguirei dizer tudo
Sobras de um passado que não passou

(Piaia)

Cutucadas

Classificada no IV Concurso Crônica e Literatura: prêmio literário Adélia Prado, de Uberlândia-MG -2010.
Não publicada na antologia devido ao alto custo.

Aflitos
Conflitos
Estamos fritos?
Estamos detritos

Embate
Combate
Deu empate?
Desate

Corpete
Compete
Com topete?
Com pet

Enciumado
Ensimesmado
Em si bemol?
Em separado

Bacana
Sacana
Dá cana?
Me engana

Concede
Concebe
Com sede?
Cede

(Piaia)

Abandono

No abandono da tarde
Os sinos dobram por quem se dobra
A porta se abre com alarde
É apenas o vento que entra e sai
E também se vai

No abandono da noite
Os sinos se calam por quem se cala
A porta se abre num açoite
São apenas fantasmas da solidão
Que também se vão

Na chegada do dia
Os sinos regalam pelos que trabalham
A porta se abre sem alegria
Ainda não é quem espero de outrora
Que também foi embora

(Deni Píàia)

Valeu

2o lugar no Concurso da Bauernfest, Petrópolis-RJ, 2011.

Valeu a pena acordar bem cedo
Enfrentar o medo
Ver o sol nascer

Valeu a pena falar mais que a boca
Arriscar na roupa
Ver acontecer

Valeu a pena ter “chutado o balde”
Recusar a fraude
Não ter que esconder

Valeu a pena segurar o andor
Sim, sou vencedor
Quero é mais viver


(Deni Píàia)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Cidade menina

Selecionado entre 80 textos para integrar o livro “Eu Amo Vinhedo”, reunindo contos, poesias e prosas, realização da Prefeitura de Vinhedo SP 2010

Menina moça de encantos sutis
Frescor de montanha
Delicada feição
Sinuoso traçado, curvas juvenis
A todos assanha
Sôfrega emoção

Sua brisa suave desperta meu sonho
Expõe minha sina
Revela o segredo
Para exalta-la, canções eu componho
Cidade menina
Eu te amo, Vinhedo


(Deni Píàia)

terça-feira, 8 de junho de 2010

Equivoco

Um equívoco do destino
Faz me sentir escravo
Um menino
Megera de fácil rimar
Inutilmente alinhavo
Palavras no ar
Perfeita rima da dor
Sim,
Refiro-me ao amor

(Piaia)

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Fácil e Difícil

Perdoar é fácil
Difícil é pedir perdão
Sugerir é fácil
Difícil é acatar sugestão
Ajudar é fácil
Difícil é fazer de coração
Criticar é fácil
Difícil é estender a mão
Ensinar é fácil
Difícil é aprender com o não
Amar alguém é fácil
Difícil é amar ao irmão

(Piaia)

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Meu quintal

Meu quintal é do tamanho dos meus sonhos
Em minha casa cabem todas as palavras
Minha boca guarda todos os silêncios
Em meus ouvidos jazem recônditos segredos
Minhas narinas não esquecem seu perfume
Com meus olhos enxergo todos os quintais
Com meus braços abraço todos os amigos, que são muitos
Com minhas pernas fugiria dos inimigos, se os tivesse
Com minhas mãos escrevo a minha poesia
Meu corpo é desengonçado,
Mas com ele sinto o mundo
Sinto a vida
Sinto tudo
Sinto muito, se você não sente

(Piaia)

A vida me ensinou

Amor é crença
Paixão é doença
Amor é eterno
Paixão é inferno
Amor é graça
Paixão passa
Amor é fruta doce
Paixão queria que fosse
Amor não acaba
Paixão é chama que se apaga
Amor é céu
Paixão é fel
Amor não se mede
Paixão exige, não pede
Amor é paisagismo
Paixão é egoísmo
Amor é leite condensado
Paixão é bolo queimado
Amor é por do sol
Paixão é “terçol”
Amor é coisa que floresce
Paixão só entristece
Amor leva ao cume
Paixão transporta ao ciúme
Amor é bem mais que isso
Paixão é feitiço
Amor é liberdade
Paixão é vaidade
Amor pode ser
Paixão tem que ser
Amor é melodia
Paixão não tem poesia
Amor não faz alarde
Paixão é corte que arde
Amor é porta aberta
Paixão é pressão que te cerca
Amor é algo que faz rir
Paixão... Melhor fugir
Amor é o melhor cafezinho do mundo
Paixão é formiguinha no fundo
Amor é canção da manhã
Paixão leva ao divã
Amor é andar descalso
Paixão é amar em falso
Amor é brisa no rosto
Paixão é fruta sem gosto
Amor é juvenil
Paixão é senil
Amor é assim
Paixão é o fim

(Piaia)

terça-feira, 13 de abril de 2010

Desafinei

Na melodia em Maior
Sinto o vento em Menor
Ouço sua voz num doce Mi
Mas a canção era em Fa
Folhas farfalham em pleno Sol
Não te encontrei no canto em La
Você está em Si Bemol
Acho que desafinei...

(Píàia)

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Minhas mulheres

Em meus sonhos
Cada noite me traz uma nova mulher
Mas já no primeiro aconchego
Percebo que todas são sempre a mesma:
A que não me quer
Bom seria dormir sem sonhar
Ou viver acordado
Bem melhor que ter que acordar
E não te encontrar ao meu lado

(Piaia)

quarta-feira, 31 de março de 2010

Minha rua

Moro numa rua que não tem nome,
Não tem idade,
Que não tem graça.
As crianças cresceram,
Os velhos morreram,
As árvores secaram.
Só adultos entristecidos restaram,
Nem minhas lembranças sobreviveram.
Moro numa rua que sobe e desce,
Mas nunca aparece.
Lá o vento não sopra perfumes,
As janelas não se abrem para o sol,
Os vizinhos não se falam sob as estrelas.
Moro numa rua morta,
Mas eu estou vivo.
Por isso vou embora dessa rua,
Vou pra lua,
De onde possa vê-la nua.

(Piaia)

terça-feira, 16 de março de 2010

Preciso, preciso, preciso, preciso...

Frio, escuridão
Ninguém por perto pra me dar a mão
A esperança já se foi faz tempo
Só posso ouvir o barulho do vento

Pra onde foi todo mundo?
Fui deixado sozinho
Fui deixado no fundo
Qual é mesmo o caminho?

Acordei só depois da partida
O que foi feito da vida?

Preciso bem mais que uma sopa
Que uma nova roupa
Que uma linda boca
Que uma mulher louca
Preciso, preciso, preciso, preciso...
Que você me ajude
Que você me ouça
Que você me entenda
Que você me use
Que você me lamba
Que você me ascenda
Preciso, preciso, preciso, preciso...

(Piaia)

Sutil como um arroto

Se você pedir
Tomo banho no inverno
Posso até usar cueca
Vou e volto do inferno – usando terno

Se você pedir
Jogo fora meu boné
Não aperto mais espinhas
Uso talco antichulé – e lavo o pé

Se você pedir
Não falo mais um palavrão
Troco o tênis por sapato
Vou pro banho de roupão – mas num vem não

Se você pedir
Leio a Veja direitinho
Deixo de tomar cerveja
Se beber é só um tiquinho – com torresminho

Se você pedir
Nunca mais solto uma bufa
Escovo os dentes todo dia
Não me meto mais em truta – e nem com puta

Se você pedir
Mudo meu perfil escroto
Passarei a ser gentil
E sutil como um arroto – com perdigoto

(Piaia)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Partida

Partida é arado
Sulca o peito em estrias de sangue
Revolve a fé
Expõe as mágoas
Fere o sentimento
No preparo da seara, o tempo
Difícil plantio da semente mudança
A que chamam esperança

(Piaia)

Silêncio

Selecionado entre os 50 melhores no 13º Concurso de Poesia da Biblioteca Popular de Afogados, 2011.

Não me cobre pelo silêncio
A ausência de palavras é estrada do pensamento
E eu preciso pensar
Não me cobre pelo silêncio
Pois o tambor vazio é o que ressoa alto
E não há o que falar
Do silencio nasce a luz, a poesia
Em silencio nasce a arte
Em silencio começa o dia
Como, destarte, aceitar o vizinho barulhento?
Prefiro o silencio à palavra vazia
À promessa vã, ao comentário truculento.
O silencio é companheiro que aconselha
Que mostra e cobra consciente
Que desmascara e sua cara avermelha
É simplesmente o som ausente
Se não tens o que falar
Presenteie com o silencio
Tão único que nem tem com o que rimar

(Piaia)

Brasil

Quem és, Brasil?
Que fala todas as línguas
Compreende os idiomas
Tem a alma em hematomas
Que reza todas as rezas
Crê em tudo que vê
Mal escreve e menos lê
Enxerga com todos os olhos
Pinta em todas as cores
Sem preconceito ou temores

Quem és, Brasil?
Pátria mãe gentil
Que descuida do próprio filho
Só nos outros enxerga o brilho
Canta todas as canções
Sem razão, só emoções
Vê com olhos de poesia
Da tragédia à folia
Quem és, Brasil?
Pátria mãe servil

(Piaia)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Não sei rimar

5.o lugar no "Concurso Poetizar o Mundo" / Curitiba - 2010

Sou livre
Mas não sei cantar
Brasileiro
Sem saber sambar
Sou rei
Sem poder reinar
Mendigo
Sem o que sonhar
Cristão
Que não sabe orar
Sou pai
Sem exemplo a dar
Sou filho
E não sei educar
Marido
Que não soube amar
Sou culto
Mas não sei ensinar
Tímido
Não quero mostrar
Sou feio
Todos vão notar
Pobre
Devo trabalhar
Sou gordo
Um preço a pagar
Amigo
Nada a declarar
Sou sério
Todos vão pensar
Sou bem
Vão acreditar
Sou mal
Alguém vai julgar
Sou eu
Que não sei rimar

(Deni Píàia)

Despir das paixões

Queria poder me despir das paixões
para pensar na morte
no sentido da sorte
encontrar o meu norte

Queria poder me despir das paixões
para entender seus conceitos
concluir alguns feitos
tomar alguns jeitos

Queria poder me despir das paixões
para falar o que penso
viver menos denso
ao perfume de incenso

Queria poder me despir das paixões
para falar do que sinto
prometo, não minto
ao sabor de um tinto

(Piaia)

Sem sentido

Não tenho pra onde
Por onde
Porquê...
Não tenho destino
Não sou mais menino
Não tenho vontade
Coisa da idade?
Não tenho motivo
Não faz sentido
O que tenho sentido

(Piaia)