sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Jazz em Lá menor

Na árvore nua o vento resvala cantante
Entoa melodia em Lá menor
E um jazz encanta
Chuva atrapalha pintassilgos amantes
Formigas em procissão
Aos olhos de quem ficou, quem foi não volta
Nem vê as cores sorrindo
No céu de carmim


(Deni Píàia)

A espera

  • Classificada entre as 10 poesias vencedoras na 3ª edição do concurso Poesia em Trânsito, realizado pela Universidade Luterana do Brasil -ULBRA, de Canoas-RS / 2011.
  • Classificada no evento Varal Poético, da cidade de Nova Odessa-SP / 2011.

Sinfonia em Sol Maior
Mil anjos cantam em coro
Soam trombetas de ouro
Música que vem da paz
Débil sorriso de gratidão
Graças...
Cabeça se inebria
Eis a sinfonia
O tilintar das chaves é música
Quando se espera o filho chegar


(Deni Píàia)

Sombra e água triste

Vida videira
Sombra e água que persiste fresca
Sob a parreira encharca feito sangue
E espera
A vida passar num pé de vento
O tempo estancar por um momento
O céu azular o azul cinzento
Deveria estar atento e ver
A água que se faz impotável
O mar que não está pra pescador
O ar nada confiável
O clima... Faz frio ou calor?
Vida videira
Sombra e água que, fresca, persiste
Triste


(Deni Píàia)

Benditos os frutos

Selecionado entre os 35 melhores no Prêmio SESC 2011 / Brasília-DF,  Concurso de Poesias Carlos Drummond de Andrade.

O horror estampa as caras dos filhos
Como se enxergassem os fantasmas que não vemos
Os fantasmas somos nós
A nossa velhice
A mesmice
Tudo o que não querem é ser o que somos
Somos aparências preocupadas com as línguas de fogo
Somos os fantasmas que os espantam
Se somos assim, são assados
Não, não estão errados
Falamos muito e fizemos pouco
Buscam o choque para nos mostrar
Só eles enxergam que ficamos velhos
Pijamas, chinelos, TV, lembranças, Beatles
Aquelas mentiras que contamos já não funcionam
Descobriram que não fomos heróis
Amanhã estarão se olhando no espelho
Descobrirão que solidão não sara quando vem de dentro
Benditos os frutos da nossa família


(Deni Píàia)

A vida adolesce

Sonhos de primavera
Corpos de verão
Ânsias de outono
Espíritos de inverno
Adolescem
A vida é festa na idade emoção
Tudo é ação
Exalt-ação
Perturb-ação
Masturb-ação
Tudo vale e pode, Ipod
Do MP-3 ao MP-infinito
O tempo não tem tempo
É um grito
Não da tempo, passou
Na balada, badala
Da bala
No volante novo-lante
Ante o risco latejante
Rabisco meu pensamento
Tênis novo
Importado, importa?
Todos viram
Então valeu, corta
A próxima cena
Atrás da porta
Quem poderá dizer?
Quem se importa?
A vida é festa até amanhã
E a manhã adolesce


(Deni Píàia)

Uma casa italiana

Mesa farta de vinho e vida
Vira-vira vira-vinho
Casa farta de família e paixão
Vira-vira vira-vida
Coração impregnado
Inflamado entusiasmo
Panelas penduradas
Sentimentos expostos como girassol
Tarantelas, altos brados em Si-bemol
No exagero dos gestos a expressão da alegria
No exagero da vida a expressão da paixão

“É uma casa italiana, muito humana
É, com certeza, muito humana e italiana”


(Deni Píàia)

Pitíco, o palhaço sem graça

Menção Honrosa no VII Prêmio Barueri (SP) de Literatura - Conto e Poesia - 2010

-Senhoooooooooras e senhores! Atençãããããããão criançada... Vem aí a alegria do Circo Lobato... Com vocês o palhaço Pitícooooooooooo...
A bandinha desatou a tocar aquela marchinha que caracteriza a entrada do palhaço, enquanto Pitíco entrava tropeçando e dando cambalhotas, enroscando-se nos enormes sapatos vermelhos.
-Criançada, booooooa tardeeee!... Não mais do que meia dúzia de crianças responderam desanimadas.
-Mas assim está muito fraco! Parece até que vocês não paparam hoje! Quem comeu tudo o que a mamãe serviu? Ninguém se manifestou.
-Ah... Muito bem! É assim mesmo que tem que ser! Então agora eu quero ouvir bem forte: Criançada, booooooa tardeeeeee...
Foi possível distinguir três respostas, sendo uma de um adulto visivelmente penalizado com o fracasso do palhaço. Aliás, a cada espetáculo não era diferente. Pitíco, por mais que se esforçasse, não tinha o carisma necessário para adquirir a simpatia da criançada. Mas era preciso insistir porque não sabia fazer mais nada na vida, forçado que foi pelo velho pai, este sim um palhaço de grande sucesso enquanto atuou, querendo ver no filho o prosseguimento de sua arte.
-Valdir, a coisa tá ficando séria. Meu circo está à beira da falência e você sabe que circo sem um bom palhaço não tem chances de sobreviver.
-Mas seu Lobato! Eu não sei fazer outra coisa...
-Você não sabe fazer nada, Valdir. Nem mesmo ser palhaço.
-Seu Lobato, por favor, entenda minha situação. Se eu for despedido não tenho prá onde ir e nem o que fazer. E prá complicar essa gravidez da minha mulher...
-Trate de dar um jeito. Circo sem palhaço não sobrevive. E com palhaço sem graça fica ainda pior.
O espetáculo noturno não foi diferente. As poucas dezenas de pessoas que se aventuraram a comprar os ingressos saíram visivelmente desapontadas sem as gargalhadas de seus filhos. O olhar frio e ameaçador do dono do circo retardava o sono de Valdir, ainda mais perturbado pelas manifestações de mal-estar da mulher grávida.
-Molecada desgraçada... Querem que eu faça o quê? Será que custa tanto dar umas risadas? Na televisão por qualquer besteira todo mundo morre de rir... É bem feito prá mim. Se não gosto de crianças, porque fui dar ouvidos ao velho? E eu que ainda sonhava em ser aclamado, ganhar dinheiro, ser convidado prá TV... Pro inferno essa molecada!
Domingo, nova matinê. A distribuição de ingressos gratuitos trouxe público em dobro, chegando a ocupar metade das instalações do circo.
-Olha lá, heim Valdir! Hoje a casa tá cheia e vê se num faz papelão.
-Vou tentar, seu Lobato, vou tentar...
-murmurou emburrado, já prevendo uma nova tentativa frustrada de fazer com que as "pestinhas" vissem alguma graça em sua atuação.
-Que saco! –pensava. -Porque essas crianças não ficam brincando na rua? Vida desgramada... Não toléro criança e tenho que ficar fazendo gracinhas prá elas...
-Tá na hora, Vardí!
Ajeitou a peruca vermelha, colocou o nariz, conferiu o enorme macacão de bolinhas coloridas, calçou os sapatões e lá se foi murmurando palavrões. O resultado final não foi diferente.
-É... Acho que não dá mais, Valdir.
-Seu Lobato!...
-Só mais hoje à noite e depois chega. Já chamei outro.
O proprietário do circo retirou-se deixando Valdir imerso em seu fracasso. Não sabia o que pensar. O arrependimento por ter seguido uma carreira que não gostava, o ódio ao se lembrar dos rostos das crianças esperando uma graça engraçada, o filho que estava chegando, o futuro sem certezas, tudo se misturando a um certo alívio por não ter mais que enfrentar aqueles olhos infantis que ele tanto temia.
-Vai ser o último espetáculo do Pitico. -murmurou para a mulher.
-Deus é pai, Valdir. Ele vai mostrar um caminho prá nós.

-...E com vocês o palhaço Pitícoooooo...
O anúncio lhe parecia muito distante, tão distante que não conseguiu interromper seus pensamentos. Continuou por mais alguns instantes recostado sobre a plataforma do elefante, abismado com a nova situação que o esperava. Mentalmente estava muito longe, mas ainda conseguia ouvir o reduzido número de aplausos que não se repetiriam no final e nem nunca mais.
-... E além de tudo ele deve ser surdo! Mas vamos tentar novamente: com vocês o palhaço Pitícoooo...
-Acorda Vardí, é o cê!
Não entrou tropeçando ou dando piruetas. Andou lento, cabisbaixo, triste, até sentir que atingira o centro do picadeiro. Não pensou em nenhuma graça para aquela noite, a última, porque não tinha graça. A piada maior, pensava, era sua vida. Parou. Titubeando levantou o rosto e encarou o olhar inimigo das crianças. Sentiu-se fraco, fracassado. Sentiu-se ninguém. A grande e colorida bengala escapou-lhe das mãos, as pernas tremeram. Não conseguiu conter a primeira lágrima que abriu caminho para muitas outras. O silêncio fez com que seu soluço ecoasse por toda a arquibancada. Sentou-se no centro do picadeiro e, com a cabeça em meio aos joelhos, chorou o choro do desespero, da derrota, da criança desamparada. E prá quê disfarçar? Em meio ao silêncio um risinho ingênuo seguido de uma pergunta:
-Paiê, porque o palhaço tá chorando?! -e todos caíram na gargalhada.
Pitico encheu-se de uma força que nunca teve. Levantou-se. Era seu último espetáculo e não tinha porque deixar de dividir seu fracasso com o mundo.
-Estou chorando porque não gosto de crianças.
Novas gargalhadas.
-Estou chorando porque não sei fazer rir.
Muitas gargalhadas.
-Estou chorando porque não consigo ser um palhaço no circo, mas sou um palhaço na vida.
E tome gargalhadas.
-Estou chorando porque não tenho prá dar o que vocês vieram buscar.
Mais gargalhadas.
-Estou chorando porque fui despedido do circo, porque sou um palhaço sem graça.
Outras gargalhadas.
-Vardí, Vardí!!!!... -o funcionário invadiu o picadeiro desesperado. - Seu filho tá nascendo! Corre lá, home!
Pitíco esqueceu-se de tudo. Quis sair correndo para acudir a mulher, mas enroscou-se nos enormes sapatos e caiu. Tentou novamente e rolou pelo chão. O desespero lhe dominou e quanto mais tentava se apressar mais se enroscava na fantasia, proporcionando as mais engraçadas cenas que a humilde platéia daquela cidade havia visto. O público delirava em gargalhadas e aplausos que o palhaço não conseguia ouvir.
-É um molecão! -anunciava a trapezista que ajudara no parto, estendendo ao pai a criança.
-É uma criança!
-Cê queria que fosse o quê, Vardí? Um trator?
A mãe esqueceu a dor para rir também. O espetáculo continuava, mas todos que não estavam em cena concentravam-se ao redor para dividir a alegria. Até o patrão se aproximava.
-E eu que nem gostava de criança! -comentou Valdir, sem saber se ria ou se chorava.
-Vai ser palhaço também? -questionou alguém.
Seu Lobato entecipou-se:
-Se for dos bons como o pai, já está contratado!


(Deni Píàia)

Nada além de uma noite

Quanto tempo duram os sonhos?
Não deveriam durar nada além de uma noite
Assim são os meus
Mas minhas noites são tão lonnnnnngas...


(Deni Píàia)

Meu quadro


Sol de outono entre nuvens
Tinge ocre a paisagem
No caminho pouco usado
Vai um vulto e seu cajado
Quem é ele?
Árvore que se arvora
Pico enigmático
Sobressai-se ao nevoeiro
Monocromático – assino o quadro
Aventureiro


(Deni Píàia)

Conto de Natal: Menino simples

Classificado em terceiro lugar no XV Concurso Literário da Academia Caxiense de Letras-RS, categoria Contos / Nacional - 11/2010.

Classificado também em  terceiro lugar, Medalhas de Mérito, no concurso "Contos de Uma Noite de Natal" promovido pelo Elos Clube de Santos-SP - 11/2010. (prêmio jamais recebido)

Menção Honrosa no Concurso Literário da Academia de Letras de Nova Trento-SC, categoria Conto,  2012.

Era um menino simples, tão simples que não conhecia o Natal. Não sabia seu significado, sua origem, sua intenção, mas vivia feliz mesmo sem jamais ter ganhado um presente, um brinquedo. Sem escola, sem igreja, sem cultura. Seus brinquedos, na roça longínqua, eram o ribeirão, as árvores, as frutas, os animais silvestres, os irmãos. A esperança era o sorriso da mãe, o suor do pai, a comida no prato. A fé vinha do amanhecer, do anoitecer, do segredo das estrelas. Nunca precisou mais que isso. Um dia, a cidade. A família veio pra ficar. Na favela, com amigos, com asfalto, com shopping center, com vontades, com maldades, mas para ficar.
Cresceu, fez amigos, inimigos, conheceu a escola, as drogas, a frustração, a polícia, a revolta, solidão e o Natal. Data de ganhar presentes, de desejar mais que podia, de cobiçar e invejar o próximo, do supérfluo. Não aprendeu mais que isso sobre o Natal.

Jovem, estava pronto para a data máxima da cristandade e desta vez não passaria em branco. Ajeitou a arma na cintura, fechou o barraco vazio, pais e irmãos já haviam sido mortos pelo tráfico, desceu o morro. Andou muito enquanto planejava. Na avenida beira mar decidiu que não havia mais o que esperar. Sacou a arma, jogou sob os cuidados de Netuno, tomou o primeiro ônibus para a rodoviária, outro ônibus e chegou. De volta à roça. Sem Natal, sem shopping center, sem maldades, sem os pais, só. Descobriu que as estrelas ainda guardavam seus segredos, o ribeirão sussurrava amenidades, muito pouco havia mudado. Voltou a ser menino simples. No dia de Natal.


(Deni Píàia)

Ela

Não é parente, não é amiga
Só uma estranha que entrou na sua vida
Despertando algo que se convencionou chamar de amor
Não é parente, não é amiga
Somente alguém que lhe da prazer, filhos e despesas
E faz você se sentir importante
Metade dela
Às vezes insignificante
Nada sem ela
Ela não é nada de você
Magoa-se com uma facilidade espantosa
Magoa como se fosse a coisa mais natural
Ela é tudo pra você
Mesmo não sendo nada, ninguém
Até o dia que ela se cansa e vai embora
Aí a gente redescobre uma estranha realidade
Não é parente, não é amiga
É só uma estranha que se foi
Esquisito pra caramba!


(Deni Píàia)

A vida ensina

Menção Honrosa no Concurso Cultural Brasil Casual 2012.
O
Não faço o que gosto
Mas gosto do que faço
Não tenho quem quero bem
Mas quero bem quem me tem
Não sei cantar a canção que me encanta
Mas me encanta apenas ouvi-la
A vida ensina e aprende quem quer

Nas palavras do livro encontrei o caminho
Na voz do meu radio ouvi a canção
Na programação da TV descobri o que não quero
A vida ensina e aprende quem quer

No olhar de meus filhos enxerguei os meus sonhos
No exemplo do amigo aprendi ser melhor
No sorriso do estranho encontrei o apoio
A vida ensina e aprende quem quer


(Deni Píàia)

50 anos

1960 foi bissexto, mas não primo
Brasília então surgia pelas mãos de Juscelino
Rock’n roll era um bebê de futuro promissor
Os Beatles ensaiavam pra tornarem-se um furor
Por recentes transistores Elvis já era ouvido
Por aqui largo horizonte e um Brasil já prometido

Lá se vão 50 anos... E agora?
Mudou o mundo ou mudamos nós, enfim?
O bom de ter 50 anos é não ter que provar nada, e fim
Pois quem quiser que me compre assim


Deni Píàia

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O dia em que Deus acordou inspirado

Houve sim um dia em que Deus acordou inspirado. Tudo bem que Deus está sempre inspirado; como seria se não fosse assim? Mas naquele dia foi diferente. Ele estava realmente muito inspirado. Sentiu uma vontade imensa de fazer algo novo, grandioso, sensacional. Até parecia que não havia sido assim o tempo todo. Mas Ele queria algo para não passar em branco pela terra, pelo universo, pelos homens. Afinal, estava num bom humor incontido. Discreto, mas incontido.
Pensou numa grande obra, talvez numa montanha maravilhosa que pudesse ser vista por todos, com flores e árvores exuberantes, com uma simetria perfeita, de forma que nenhum gênio da pintura encontrasse qualquer defeito, por menor que fosse, mas...
-Não... Certamente isso já foi feito em algum canto esquecido do tempo, antes de ser destruído em busca de minérios ou pela expansão imobiliária.
Quem sabe um mar quebrando calmamente numa ilha...
-Não, já fiz tanto disso por aí! –lembrou Ele.
E um céu todinho azul, passando para o carmim lá no horizonte, enquanto o sol...
– Besteira, isso acontece todos os dias e ninguém dá a menor atenção. Ô gente desatenta... –murmurou. – Pra reparar nos outros e nos “defeitos” do que eu faço todo mundo tem tempo.
Já sei!
–animou-se. –Um ser humano perfeito, sem qualquer traço de egoísmo, sem... Peraí, pô! Isso eu to cansado de fazer! As pessoas já nascem todas, de certa forma, perfeitas, até mesmo aquelas que se julgam deficientes. A verdadeira imperfeição vem depois, com essa educação viciada, impensada, preguiçosa. E aí já não é comigo. Ainda bem que inventei o livre arbítrio pra ninguém reclamar.
Achou graça da situação e deu uma sonora gargalhada, logo abafada por alvas mãos. Afinal, Deus não poderia sair gargalhando por aí. Já pensou como se sentiriam aqueles que acreditam num Deus severo e vingativo? Seria uma grande decepção para eles. Possivelmente até pensariam se tratar de um impostor. Onde já se viu um Deus que ri e se diverte?! –exclamariam. Não, não pode. Deus é perfeito. Como se demonstrar felicidade fosse um grande pecado. Talvez os artistas tenham a maior culpa por esse pensamento. Alguém aí já viu um santo, um Cristo ou até mesmo um Deus retratado com expressão alegre? Dá a impressão que todos eles apenas sofreram durante todos os seus dias, sem nenhum momento de alegria, de satisfação pela vida. Talvez seja por isso que muita gente tenha até um certo medo de ser bom. Parece que para ser boa a pessoa tem que sofrer, que é impossível ser bom sem sofrimento, sem dor, sem humilhação. Olhe para as expressões dos santos e veja se não é verdade.
Mas voltando ao Deus inspirado, lá estava ele pensando com seus botões, que não eram poucos naquele roupão alvo e longo. Sem conseguir se definir por algo que O contentasse, batia compassadamente com a régua sobre a escrivaninha, concentrando-se em pensamentos vagos, entrando num estado de semicochilo profundamente agradável. Talvez reflexo do cansaço. Afinal, com tanta gente querendo se retratar o trabalho era quase ininterrupto. –Ainda bem... –pensou.
Pouco tempo depois o cochilo de Deus virou um pesado sono. Roncando e babando sobre o braço, debruçado em sua escrivaninha, tirava o sono dos anjos. E com isso o mundo entrou em estado de graça. Por alguns instantes a natureza silenciou, os mares se acalmaram, tempestades deram pausa, vulcões, furacões, ciclones, tudo experimentou uma calma nunca vista. Só os homens, sua mais perfeita criação, não deram a menor importância ao momento, enquanto a vida celebrava a inspiração divina. E foi nesse clima celestial que Deus teve um sonho. Não um pesadelo, não um sonho desconexo, mas um sonho que respondeu aos seus anseios e, finalmente, num brado de alegria despertou.
-Agora sim! Gritou enquanto enxugava a baba nas longas e largas mangas do roupão. –Finalmente encontrei a resposta! Agora sim vou fazer algo grandioso para ficar na primeira página de meu portifólio.
Sem notar a natureza que voltava ao seu ritmo normal, empolgado pela inspiração que lhe foi concedida em sonho, o Criador colocou mãos à obra imediatamente, dando o melhor de Si na sua mais nova e perfeita criação. E assim Deus começou, inspirada e lentamente, a elaborar cada um dos meus amigos.

(Deni Píàia)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Seis caminhos

Seis caminhos que se estreitam
Desembocam na canção
Seguem a linha melódica
Passam pelo coração
Seis caminhos percorri
Mi, La, Re, Sol, Si, Mi


Deni Píàia

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Quando a morte me convidar para dançar

Não posso banhar-me duas vezes na mesma água
Ou respirar outra vez o mesmo ar
Uma vida só se vive uma vez
Todo dia é tudo novo
Cada instante uma nova vida
Cada vida um novo momento
A vida não se demora mais que isso
Por isso, quando a morte me convidar para dançar
Vou aceitar sem pudor
Esquecer as promessas
O leite no fogo
A roupa na chuva
A chave na porta
Vou sair dançando como se soubesse
Entregar-me aos braços que me suportam
Dar-me-ei por vencido
Vou falar palavras que desconheço
Revelar segredos que nunca tive
Mostrar emoções que sempre escondi
Quando a morte me convidar para dançar
Vou aceitar sem pudor
Deslizar pelo salão da vida
Revendo a todos que me duvidaram
Rir daqueles que me censuraram
Por andar descalço
Acreditar no amigo
Por ter esperança
O espanto deles já não me preocupa
Suas palavras não me convencem
Quando a morte me convidar para dançar
Vou aceitar sem pudor


(Piaia)

Águas

  • Classificada no evento Varal Poético realizado na cidade de Nova Odessa-SP / 2011.

Vou mergulhar nessas águas
Sem medo de me afogar
Se acontecer... E daí?
Vale a pena arriscar
Quero nadar e sorver
Cada gota do seu pesar
Vou mergulhar nessas águas
Que brotam do seu olhar

 

 
(Piaia)

Ave Maria

Entra o vento, sai o sol
E com ele o cheiro doce da tarde
Meus fantasmas se aproveitam
Se aproximam, se instalam
Vai começar tudo de novo
A penumbra a tudo engole
O quarto, os olhos, o peito
Uma voz misteriosa me consola
Ou tenta
É hora da Ave Maria

(Piaia)

Tudo pode o poeta

- 3.o lugar na 1ª edição do concurso "Ser  Poeta na Contemporaneidade", promovido pelo site Poesia Baiana, Salvador-BA, 2010.
- Menção Honrosa no Concurso Literário da Academia de Letras de Nova Trento-SC, categoria Poesia, 2012.


Tudo é possível ao poeta
Escreve para respirar
Esconde-se nas palavras
Encontra-se nas rimas
Despede-se nos encontros
Espera em todas as esquinas

Tudo é permitido ao poeta
Calcula poetizando
Explica o que nunca soube
Respira em sílabas métricas
Inventa uma nova emoção
Desnuda sílabas poéticas

Tudo pode o poeta


(Deni Píàia)

Sombras e sobras

(para minha mulher esposa)

É tão pouco te amar
Queria ver-me verme no vermelho sangue que te sugo
Com a lenta plenitude do barco à vela
Sumo etéreo
Nos seus olhos a noite se espanta
E se acanha
Mesmo com mil estrelas a desafiar
Seu cansaço
Menina verde, fruta madura
Derretendo-se em água pura
Que eu bebo pelos poros
Sombras de um passado que me segue
Jamais conseguirei dizer tudo
Sobras de um passado que não passou

(Piaia)

Cutucadas

Classificada no IV Concurso Crônica e Literatura: prêmio literário Adélia Prado, de Uberlândia-MG -2010.
Não publicada na antologia devido ao alto custo.

Aflitos
Conflitos
Estamos fritos?
Estamos detritos

Embate
Combate
Deu empate?
Desate

Corpete
Compete
Com topete?
Com pet

Enciumado
Ensimesmado
Em si bemol?
Em separado

Bacana
Sacana
Dá cana?
Me engana

Concede
Concebe
Com sede?
Cede

(Piaia)

Abandono

No abandono da tarde
Os sinos dobram por quem se dobra
A porta se abre com alarde
É apenas o vento que entra e sai
E também se vai

No abandono da noite
Os sinos se calam por quem se cala
A porta se abre num açoite
São apenas fantasmas da solidão
Que também se vão

Na chegada do dia
Os sinos regalam pelos que trabalham
A porta se abre sem alegria
Ainda não é quem espero de outrora
Que também foi embora

(Deni Píàia)

Valeu

2o lugar no Concurso da Bauernfest, Petrópolis-RJ, 2011.

Valeu a pena acordar bem cedo
Enfrentar o medo
Ver o sol nascer

Valeu a pena falar mais que a boca
Arriscar na roupa
Ver acontecer

Valeu a pena ter “chutado o balde”
Recusar a fraude
Não ter que esconder

Valeu a pena segurar o andor
Sim, sou vencedor
Quero é mais viver


(Deni Píàia)