sexta-feira, 16 de novembro de 2012

No lugar da velha casa


No lugar da velha casa
Imponente arranha-céu
Cutucando as nuvens,
Desviando rotas,
Incomodando os deuses.
Não tem jardim nem quintal,
Jabuticabeira ou horta.
Não tem prego na porta
Onde se penduravam problemas,
Simples dilemas.

No lugar da velha casa
Esconderam o meu céu
Para onde eles não vão.
Não tem vista pras montanhas,
Cortina de chita estampada,
Trepadeira em florescência.
Que indecência!
Não tem cigarras em recitais,
Mas beija-flores sugando
Tristes flores artificiais

No lugar da velha casa
Só o silêncio da alma
Escoando por entre os dedos.
Fragmentos de sonhos
Esparsos pelo ar.
Impossível despir-se do passado num verso fugidio.


(Píàia)

Estou tentando


Há tempos não vejo o sol
E a lua já não me olha.
Ando de mal com todos eles
Desde que se foram com você,
Desde que você se escondeu
Por trás da indiferença.

Tento fazer poesias
Vivendo todos os dias
À espera de te encontrar.
Cruzando pontes que não chegam,
Caminhos que se perderam,
Pontos que não finalizam,
Argumentos que não justificam.

Estou tentando fazer poesia,
Mas tem dia que não sai...


(Píàia)

Liberdade


Houve um tempo em que uma vírgula era poesia
Se você quisesse.
Liberdade era vestir uma calça velha
Azul e desbotada.
Depois se falou que liberdade era simplesmente não vestir.
Em seguida, passou a ser vestir isso,
Não usar aquilo,
Falar assim, fazer assado...
Woodstock foi a Meca,
Mas o espírito da liberdade ficou sepultado em Altamont.
O tempo não olhou para trás.
Hoje estão todos ocupados em parecer livres.


Píàia

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Só um poeta


Depois que o lincharam é que descobriram: ele não era louco; era poeta!
“Poeta é um perigo!”, justificou o poder, lavando as mãos sujas de sangue.

Rodeio


Abre-se o brete.
“Oito segundos para a fama”, pensa o peão.
Em oito segundos era manchete nacional:
“Peão morre pisoteado pelo touro”.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Coincidência

Classificado para a coletânea do 2º Concurso de Microcontos de Humor da Biblioteca Pública Municipal de Piracicaba-SP, “Ricardo Ferraz de Arruda Pinto”.

A moça do telemarketing anunciou festiva:
“Bom dia! Aqui é do Lar dos Velhinhos...”.
“Aqui também”, respondeu o senil senhor.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Grande águia


A grande águia pousou
E sob suas garras não restou nada.
Chegou arrogante,
Impondo regras,
Rapinando a vida,
Que é o que ela faz.
Abriu suas asas e abafou a verdade,
Arrulhou ordens,
Restabeleceu a ordem,
Sua ordem e vaidade.
Em seu nome fez-se sua vontade,
Com o bico curvo estripou a cultura,
Pisou na poesia,
Defecou na sensibilidade,
Cuspiu indiferença.
Levantou vôo em direção ao norte
Deixando apenas a destruição,
A fome, a ignorância, a morte,
A sua marca na carne do povo.
A grande águia é cega.

Deni Píàia

O inimigo da nação


A pergunta ficou sem resposta:
Quem é o inimigo da nação?
Já foi a ditadura,
Antes a escravidão.
Hoje é pior
Mais frio e carniceiro
Porque se disfarça de bom e trigueiro.
Refiro-me ao poder
Não executivo ou legislativo,
Nem mesmo ao econômico,
Mas ao poder judiciário,
Que se acovarda sob o alto salário
E engole a humilhação, o seu pão
A um custo muito barato.
Faz vista grossa ao crime do rico,
Obedece à ordem da arrogância,
Faz do povo o seu penico,
Deixa-se levar pela ganância
Em abundância.
Solta o salafrário e prende o operário,
Prepara brechas no caminho
Onde se esconde da verdade.
Sob os argumentos da lei faz seu ninho.
Ah, esse poder de prender e soltar,
De fazer, refazer e mudar,
Que teme o poder do mais forte,
Que espezinha o fraco, sem norte,
Que não prende político ladrão,
Que liberta o bandido de carrão,
Que humilha minorias oprimidas,
Que desconfia descaradamente do negro,
Que desencoraja o honesto.
A pergunta não ficou sem resposta:
Qual é o inimigo da nação?
O poder judiciário encabeça a minha relação.

Deni Píàia