sexta-feira, 3 de julho de 2009

Dos tempos da Olivetti verdinha

Às vezes sinto inveja. Pecado? Talvez não, da forma como sinto.
É mais uma vontade de ser o que não sou ou de saber o que não sei.
Nada material. Não sonho em ter o que não tenho ou o que não posso ter. Sinto inveja, sem me sentir pecador, dos poetas, esses construtores de emoções, descobridores de sentimentos, malabaristas de palavras. Calculadores meticulosos de sílabas e frases, matemática que não valorizei nas aulas de Português.
Tenho a impressão que ao falar das coisas inexatas que vão pelo pensamento, utilizam a exatidão de uma máquina de calcular. Sílabas contadas, frases calculadas e um resultado final que sempre me deixa dúvidas. Parece-me tão complicado!
Fico com a impressão de que escrevem para que somente eles entendam, um código particular, uma senha pessoal. Difícil entender tanta exatidão de palavras que soam agradáveis.
Às vezes sinto inveja desses poetas. Não pelos sentimentos rebuscados, ou rabiscados. Invejo o tempo e a coragem que dispõem para conversar consigo próprios. Pelo menos é assim que os vejo. O poeta, ao eternizar seu pensamento, está conversando com sua consciência, com o seu "eu" que ele próprio desconhece. E por não conhecer despe-se de qualquer pudor. Nada têm a perder porque só eles, egoístas, sabem realmente o que escondem suas poesias.
Invejo os poetas porque, talvez, mesmo sem saber ou sentir, ao conversar consigo próprios estabelecem uma linha direta com Deus e, por isso, são mais facilmente ouvidos.
Invejo os poetas porque desconheço as fórmulas matemáticas para se construir uma poesia.
Gosto apenas de escrever, mas ao menos sei o que pode se chamar de poesia. Não conheço fórmulas, sou péssimo em matemática, não sei inventar palavras que não constam dos dicionários. Deveria ter estado atento às aulas de Dona Maria Lúcia. Tanto que ela insistia!
Hoje não sei escrever, senão de forma simples. Não sei falar, senão das coisas simples. Desconheço palavras, senão as que constam de qualquer dicionário de bolso.
Será que para me fazer ouvir por Deus precisarei também aprender a ser complicado? Minha matemática é horrível!
Invejo os poetas. Mas nem por isso vou me desquitar de minha máquina de escrever.
Invejo os poetas mas continuarei registrando o que sinto e penso, como sinto e como penso. E que se dane se os cálculos estiverem errados. Escrevo para o meu "eu". E ele também foi reprovado em matemática.

(Piaia)

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